quinta-feira, março 24, 2005

FOLHA X DO MEU DIÁRIO



Noite, ausências promotoras de sonhos. Uns sonhos reais, outros numa ambígua amálgama de misturas de realidades e fantasias ou de recordações de distantes passados esfumados num tempo que nos sonhos não existe...

... Vínhamos do Liceu, pela hora do almoço. Livros debaixo do braço. Caminhávamos lado a lado, num passo cadenciado mas lento, para durar mais tempo a companhia...

Agradava-me a companhia do mocetão esbelto e de olhos azuis, de um azul celestial, que pareciam não ter fim.

... Banais conversas sobre as aulas, os colegas, o que iríamos fazer nas férias grandes... o Conjunto onde tocavas e as contrariedades com a tua mãe... enfim... como era agradável descermos a rua em ameno diálogo, sem pensarmos no que nos rodeava...

Queria não ter sonhado. Queria que não tivesse existido um episódio que tivesse de recordar e muito menos de o vir a sonhar.

... Quando chegámos à porta do prédio onde residia, ao despedirmo-nos, deste-me aquele beijo, doentio, que quase me fez desmaiar. Fiquei apertada em teus braços, como que estrangulada pelos tentáculos de um polvo... depois... depois, abruptamente afastaste-me e com um pedido de desculpas e à queima roupa disseste que era o primeiro beijo a uma rapariga... era só para ver como era... porque só te interessavas por rapazes... e eu fazia-te lembrar um...

...Fiquei atónita! O meu primeiro beijo! Nem sequer estava apaixonada... apenas me agradava levar ao lado um colega que fazia todas as raparigas olharem para nós...

Foi terrível ter sonhado com um episódio tão... tão...

E com este sonho, veio-me à ideia a notícia que, no último dia de aulas desse ano distante, as colegas de turma me deram e que viviam perto do Toneca. Foram duras, maldosas e desrespeitadoras...
“O teu namorado suicidou-se...” Gelei. Não por ter sido o meu namorado, porque não fora, mas pelo facto de, um belo rapaz, acabar dessa forma... até o teria amado. Até teria deixado que a sua vida fosse como a Natureza quisera. Era tão bom moço! Mas nestas coisas de amores, não mandamos... e eu estava tão enamorada pela minha saudade... e da saudade fiquei enamorada eternamente...

Com os anos, com os sonhos, com os tempos sem tempos, repenso como poderia ter sido a salvação do meu amigo Toneca. Possivelmente, se eu tivesse dito que o amava loucamente e que os seus gostos íntimos não tinham significado, porque o amor espiritual é muito mais valioso que qualquer outro acto cometido pelo ser humano, talvez não estivesse agora a recordá-lo depois do sonho, que foi um verdadeiro pesadelo....



23.03.05

terça-feira, março 22, 2005

AUTO-RETRATO

As palavras atropelam-se
como a água numa cascata.
Queria escrevê-las a todas
mas faltam-me as forças...
Sou um “roubôt”.
Um monte de sucata.
Sou um relógio velho
a quem a corda se partiu...
Sou e não sou uma mulher de lata.
O meu coração parou,
quando o meu sonho ruiu
e de mim se foi
quem este peito amou...


As palavras amontoam-se
e o meu desespero aumenta
pois jamais serei quem sou...


Quer chova, quer brilhe o sol,
terei de viver duas vidas:
Uma, aquela que sou.
Outra, aquela que fui...
E nas palavras a monte,
Não conheço a real:
Aquela que ainda vive,
aquela que não acaba...
como a água da fonte,
Sempre feliz e leal
a dar de beber a gentes
que estão sedentas de tudo...
como também eu estou...




Abr.1981

terça-feira, março 15, 2005

REFLEXÕES


A intemporalidade do tempo é a realidade em que mergulhamos no percurso desse tempo, que não gastamos por não termos tempo que nos chegue para o seu uso.

De todo o tempo que vamos deixando escoar-se, uma parte é para sonharmos, quer estejamos nos períodos de adormecimento físico, quer estejamos vibrantes de vida, mas sonhando.

Por mais belo que seja o sonho, é sem dúvida um desgaste inútil desse tempo que se esvai incontroladamente, pois sendo intemporal não é contável embora para sonhar sejamos reais.

E esvaída em sonhos privei-me do tempo que sem tempo se volatilizou em mil e uma desilusões. E sem tempo e sem ilusões gravito no espaço intemporal da solidão, odiando quem amo e perdendo-me num sem rumo eterno.

A realidade do que é irreal tem-me perseguido num sem tempo constante e sob o sonho inebriante da minha realidade vagueio nesse sonho, que embora perdido neste sem tempo, é simultaneamente o meu tempo de expectativa.

A duplicidade do sonho que foi saudade e que deixou sem luz o que me resta dum tempo que jamais foi meu, arrebata-me o pensamento para o tempo de padecimento, deixando-me no vazio, sem ser sujeito, seja em que sentido for, desmemoriada, sem passado nem futuro, sem tempo na intemporalidade do tempo...





15.03.005
isabel

sábado, março 12, 2005

FASCINAÇÃO

A noite estava fria depois de um fim de tarde coberto por um nevoeiro espesso.

Desembarquei e com a pequena maleta ao ombro, procurei um taxi. Pedi para me levar ao hotel cuja morada havia apontado na última folha do caderno que sempre me acompanha.

Segundo a amiga que mo indicara, era um hotel simpático, meio luxo e discreto. Eu simpatizara com o nome, por isso ia confiante.

O taxi percorreu ruas e mais ruas. Num ora vira à esquerda ora à direita, finalmente cheguei. As burocracias da praxe e quando subi ao segundo piso, já tinha o meu plano traçado.

Duche. Uns bolinhos com chá e envolta no sonho e expectativa deite-me sobre a cama, com a televisão ligada e o rádio baixinho, para ouvir um programa de música dos anos sessenta, que todos os fins de semana passava na emissora X.

O verde acastanhado ou castanho esverdeado dos olhos exerciam um fascínio que me paralisava. Nem pestanejava enquanto sentia a massagem suave nas costas. Os lábios não muito grossos mas carnudos acariciavam as minhas pálpebras, a face e percorriam-me enquanto sucessivos arrepios me estremeciam.

A conversa foi longa. Vários temas, preocupações múltiplas e mútuas, numa tentativa de se dizer o mais que fosse possível no mais curto espaço de tempo, pois o tempo verdadeiro que ia restando, era o verdadeiro tempo de mais um par de horas, para depois voltarmos à rotina do dia a dia que nos esperaria domingo à noite.

Pelo princípio da madrugada o cansaço já dominava, mas não houve resistência para cairmos nos braços e nos amarmos. Aconteceu! Não programado. Tanto tempo depois de tantos anos de conversa sobre os mais variados temas e as mais diferentes preocupações.

Surpresa! Se amar assim, é que é amar, jamais vou desistir de querer amar de novo! Que palavras poderão existir para traduzir o êxtase, o vibrar interior, o relaxamento espiritual, o abandono delicioso....apenas um obrigado pelo momento mais excepcional de toda uma existência.......

O sussurrar cadenciado de “querida” durante o resto da noite foi
maravilhoso. A respiração ofegante pela manhã foi o hino de agradecimento à possibilidade de uma experiência única, depois de uma total desilusão do que sabia como “amar”....

Mas os momentos de fascinação são momentos e como momentos são momentos que o tempo não permite que se repitam, a fascinação esvaiu-se numa saudade que se juntou a outra saudade tão diferente e inigualável.

A amizade tem facetas estranhas, belas e por vezes surpreendentes que nos obrigam a um eterno OBRIGADO!


12.03.05

quinta-feira, março 10, 2005

UM LUTO PERENE


O Sol pôs-se muito pálido por entre nuvens meio esfarrapadas e não tardou que um crepúsculo acinzentado abrisse as portas ao anoitecer, envolvendo-nos.

Depressa, o escuro manto da noite foi o lençol que cobriu todos os actos que não quis testemunhar e deixou que uma vez mais ficassem escondidas as lágrimas que iam escorregando desabridamente por este rosto, que de tanto pranto, já tem mais sulcos que a terra acabada de lavrar...

Os soluços incontroláveis e o choro convulsivo foram dando lugar a uma apatia indecifrável. Os olhos parados no nada deixavam transparecer uma profunda tristeza. Um não esperar por nada nem por ninguém... acabava de perecer o último alguém.

Que esperar do que vem do nada? Que tipo de ilusão tentar manter quando o negro manto do luto nos cobre por décadas e quando o tentamos despir e logo o estamos a colocar de novo?

Vamos lá de éticas, de moral, de bons costumes! Como se pode pensar em tudo isso quando tudo isso é um perfeito disparate? Como se pode pôr em evidência a ética, quando por ética deixamos baixar à sepultura quem mais amamos, para que nos braços de outra “terra” desfrute da ternura que por ética não lhe demos? Como se pode considerar moral a atitude amoral de dizer não, quando todo o nosso pensamento e todos os quarks dizem sim? O que são os bons costumes perante a renúncia a quem nos pode manter vivos?

Claro que à luz da Psicologia vamos em busca dos quês e porquês para tais momentos actuais; vamos em busca de novos objectivos para superar as desditas que juntas a outras e outras origens chegam à desdita do momento e, como se fosse possível, passados tempos, tudo estará bem...

Mas, claro que, se observarmos este eterno luto por perdas sucessivas ou por abdicação, à luz da Filosofia... desarticular-se-ia a dor, não faria sentido mais este luto, porque a razão da sua razão não poderia ter existido porque no calculismo da clarividência não teria havido amor e por isso não teria havido perda e sem amor nem perda não haveria luto nem sofrimento...e eu não seria eu!!!
09.03.005
isabel

terça-feira, março 01, 2005

FILOSOFIAS DO FALAR E DO DIZER



Falar ou conjunto de sons que conjugados expressam ideias e ou apenas palavras. Eis que surge a dúvida, – falar ou não falar – eis a questão!

Por vezes falamos demais. Outras de menos. A maior parte das vezes falamos, falamos e nada dizemos.

Falar, sem dizer nada, é peculiar dos que querem enganar. Nesta forma de expressão entram as entoações com mais agressividade.

Como bons faladores que somos, deveríamos procurar cautelosamente os temas de que falamos.

Procurar com quem falar, isto é, dialogar, é outro aspecto. Podemos cair no erro de só monologar ou de falarmos só por falar, e, isso não...

Quando falamos, temos de ter consciência do que estamos a dizer. Devemos pormenorizar e enfatizar sempre que se pretende chamar a atenção e sintetizar ou abreviar aquando surgem supérfluos.

Falar e dizer, sinónimos de significado diferente, uma vez que há quem fale e não diga nada e há os que no simples dizer, nos falam ao coração...



1999,Dez.