sábado, junho 09, 2007

DIFERENTES MAS JUNTOS


Sabes? Vou contar-te mais uma história. Uma história que inventei há já bastante tempo e que ao inventá-la, lembrei-me da minha avó, que contava histórias como ninguém e todas inventadas por ela. A história que a minha avó contava, sobre um rato e um gato, no tempo da guerra, tinha muita profundidade, reconheço-o agora. Por isso, como vivemos sempre entre guerras diferentes e de diferenças, não resisti.

Pois bem, como todas as histórias e para ser história, era uma vez…

Tinha havido no verão um grande incêndio nas matas do monte. As pedras enegrecidas nem pareciam pedras, mas pedaços enormes de carvão. O Verão tinha sido quente e por isso maléfico para as matas e florestas. O Inverno fora frio e chuvoso e com o chegar da Primavera, umas envergonhadas ervinhas espreitavam aqui e além.

Uma joaninha atrevia-se a deambular por um lado e por outro em busca de alimento e nem se apercebia dos perigos que a qualquer momento a poderiam privar de continuar a sua deambulação.

Passada por aqui, passada por ali, um esvoaçar para mais longe e de repente uma pedra grande, muito grande e escura, muito escura. Tão escura que nem se apercebeu de um imenso lacrau, também escuro e até um pouco encarquilhado, escondido numa reentrância da rocha…

A joaninha esvoaçou assustada, mas com curiosidade voltou a aproximar-se e atreveu-se a olhá-lo mais de perto… afinal era mais um companheiro daquela área tão empobrecida pelo fogo e que poderia estar a passar um mau bocado.

À cautela e sempre pronta para accionar o seu sistema de voo, a joaninha, aproximou-se. Muito baixinho exclamou: “ que grande és!” “se calhar tens fome e até me podes comer…”

O escorpião, tão enfraquecido que estava, nem ergueu a sua cauda em posição de ataque/defesa… deixou as turqueses estendidas na pedra e elevando os olhitos mortiços, balbuciou algo imperceptível”… sim, tenho fome e ainda mal posso caminhar. Tenho duas patas doentes, que queimei, quando corri para apanhar um alimento… nem percebi que ainda estava quente a terra que pisava…”

Aqui começou a odisseia da corajosa joaninha. Correu e esvoaçou pelas redondezas e num esforço incomensurável, conseguiu levar ao pobre habitante da área o que admitiu ser um pouco de conforto para o estômago dele.

Nunca havia admitido que um escorpião pudesse ser reconhecido, que pudesse mesmo ter um rasgo de amabilidade, mas foi isso mesmo que aconteceu. O escorpião agradeceu à joaninha o seu esforço e como prova de reconhecimento, ofereceu um pouco do seu espaço, para que de noite ela se pudesse resguardar de quaisquer predadores, que também vagueassem pela zona.

Nos dias seguintes, joaninha e escorpião, caminhavam juntos por um e outro lado, regressando à caverna na rocha negra do incêndio do Verão anterior. Ao cabo de algumas semanas, poderemos dizer que eram inseparáveis.

Cheia de ternura para quem já considerava um amigo, a joaninha era incansável. Por sua vez o escorpião, com uma forma de estar muito própria, não deixava de ver a joaninha como a sua tábua de salvação, a sua aliada, mesmo quando tinha de atacar para comer.

Juntos, inacreditavelmente aproximados um do outro, joaninha e escorpião, sobreviveram à Primavera e ao verão, sem que qualquer anormalidade os tivesse separado.

Solitário, ainda magoado, mas sem perder as características da sua espécie, o escorpião sentia “ganas” de enxotar a joaninha, que o percebia, mas fingindo nada entender, continuava a sua obra de “boa samaritana”. Os tempos continuaram a passar, como quem folheia um livro e certa manhã, cedo, como regra naquelas áreas, para quem necessita encontrar subsistência, o escorpião ao sair do esconderijo, toca na joaninha, como que afagando as asas quitinosas e sarapintadas, e segredando-lhe que jamais iria deixar de estar perto dela. Algo muito forte fazia com que se sentisse atraído por ela…

Coitada da joaninha! O primeiro pensamento que teve foi o de que lhe restaria pouco tempo… iria ser caçada. Mas o escorpião, terno como uma pétala de rosa, bichanou junto às antenas da assustada joaninha, que mesmo de diferentes espécies, o que lhe tinha era amor. Na Natureza, é assim. Espécies diferentes apoiam-se, espécies diferentes juntam-se em grupos de ajuda, em reconhecimento da defesa da continuidade.

Na minha história é assim. Na minha história ambos viviam juntos sem que cada um deixasse de ser o que era, sem que cada um deixasse de respeitar o que o outro queria. Um entendimento perfeito… Havia mesmo Amor entre aqueles dois “bichinhos”. Na realidade, nem tudo se passa assim, pois os predadores nem sempre são salvos pelas suas possíveis presas…


08.06.07

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