sexta-feira, janeiro 30, 2009

A HISTÓRIA DE MAGDA (continuação)

Voltou a referir que as férias de Natal desse ano haviam sido a sua primeira experiência de férias e disse não conseguir recordar quais as prendas que havia recebido nesse ano. Apenas que, como sempre acontecera até aí, para além dos preparativos para a festa, e de ajudar a mãe a montar a Árvore de Natal e o Presépio, escrevera uma carta ao Menino Jesus a pedir as prendas, mas desta vez, já escrita com a sua letrinha um pouco torta e na noite de vinte e quatro de Dezembro, com toda a família reunida, pôs o sapatinho na chaminé.

Foi interessante ouvir a descrição que Magda fez da Loja da Dª Maria, que vendia loiças e onde os barros eram às carradas. Falou nisso porque se lembrou de que nesse ano a avó lhe comprara umas ovelhinhas para o presépio e um mealheiro
bojudo, também em barro, para lá deixar as suas economias…

Passaram duas horas! Como o tempo passou tão depressa! referiu ela...


Magda ajeitou a saia ao levantar-se e ao despedir-se pediu-me que a sessão seguinte fosse fora do gabinete. Fiquei surpreendida mas agradou-me a ideia pois queria começar a analisar a minha cliente em outros ambientes.

Logo que Magda saiu, apontei algumas notas, para não me esquecer de como conduzir a sessão seguinte e planeei algumas alternativas, aonde iríamos passar a tarde da próxima quarta feira.

A QUARTA SESSÃO

Magda havia telefonado para o meu gabinete ao final da manhã, para que nos encontrássemos nas imediações do Largo do Camões, pelas quinze horas. Pois significava que Magda me estava a fazer sair do gabinete quinze minutos mais cedo do que a hora a que a havia de a receber…
Perguntei-me milhentas vezes porquê aquele local, porquanto havia imaginado que me levaria para um qualquer jardim da cidade, por me parecer se coadunar mais com as suas características.

Chegámos ambas ao mesmo tempo, embora por trajectos diferentes.

O nosso cumprimento já foi um afectuoso beijinho na face e a seu pedido começámos a descer a caminho do Cais do Sodré.

À medida que caminhávamos, Magda ia descrevendo a rua que tão bem conhecia, pois fora o local onde passara os primeiros anos da sua infância.

Naquele local ali à esquerda, onde não existe nada senão carros mal arrumados, dizia Magda, fora um prédio onde estavam instalados escritórios da Electricidade de Portugal, pois um tio avô que era engenheiro, tinha aí o seu gabinete, que Magda adorava visitar, por ter tantos papéis e máquinas, que lhe despertavam tanta curiosidade.

Continuámos a descer e aproximávamo-nos do rio...

(continua)

sábado, janeiro 24, 2009

A HISTÓRIA DE MAGDA (continuação)

como se não tivesse havido uns dias de intervalo

Mas houve uma variedade de histórias que impressionavam Magda de uma forma acentuada, eram as histórias sobre animais e em que estes falavam, como a Lebre e a Tartaruga, Os Três Porquinhos, A Cabra Cabrês, O Peixe Rei e outras em que o rei da floresta era o Leão, mas Magda segredou-me que não concordava, por preferir o Elefante, que era enorme e que nem comia gente e parecia ser um excelente meio de transporte.

Recordou as idas ao Jardim Zoológico e da moeda que dava ao elefante para tocar um sino. Recordou o que a divertia ver os macacos a olharem para um espelho e as girafas, com uns pescoços tão longos, como eram tão elegantes...Magda disse-me que antes de ir para a Escola, chamava ao Jardim Zoológico o “Jardim do Relógio”, porque a verdadeira palavra era muito difícil de pronunciar, tal como papagaio, a quem ela chamava “pacagaio” e tinha uma simpatia especial por estes animais.

Mas a história de Mobby Dick, a grande Baleia, contada pela Avó Maria, era a história que a deixava mais apreensiva, pois era inimaginável existir um animal tão grande, como era esta Baleia. Por essa razão achava as histórias da Avó sobre a Madeira e os Açores e a pesca da Baleia cruéis, mas ao mesmo tempo aceitava. Achava que as baleias eram ilhas flutuantes e vivas e que até podiam ser perigosas...

Magda acentuou que estava sendo educada dentro de uma ingenuidade e carinho que talvez não correspondessem muito profundamente às realidades desse período. Talvez a Avó quisesse preservá-la de tais realidades, bem mais adversas... Poucos anos antes terminara a Segunda Guerra Mundial e todo o Mundo vivia mais ou menos sob as consequências de tão nefasto período.

Magda levantou-se. Bebeu um pouco de água e voltou a sentar-se e olhando-me disse não ser tão fácil viver, como na realidade deveria ser e continuou.

Na Escola, além das letras e números, Magda foi alertada para outras realidades. Eram realidades que desconhecera até essa altura, como castigo, réguadas, orelhas de burro, enfim... Eram impostas por seres humanos como ela, muito mais velhos, mas rasgavam-lhe o horizonte mostrando que havia diferença entre a sua casa e o fora de casa. Além disso, mas sem grandes explicações, na escola falavam de Deus, Pátria e Família! Mas tão diferente do que havia no seio da família...

Deus! Magda ouvira a Mãe e a Avó falarem do Menino Jesus; Magda costumava ir à Igreja e até acompanhar a Avó Maria em Procissões e aprendera a falar com Jesus para não a deixar fazer asneiras. Mais tarde, como havia o “culto” do pecado, Magda repetia vezes sem conta as suas asneiras, junto a uma janela, para que não as voltasse a repetir, pois tinha um medo incomensurável de ser pecadora. Contudo, ter conhecimentos com a profundidade do Catecismo, só na Escola, embora percebendo sem perceber, no decorrer das aulas de Religião e Moral acabou por saber recitar a Avé Maria. Mas para a simplicidade de Magda, que quereria dizer tudo aquilo, quando ainda mal sabia soletrar a palavra ta-bu-a-da?

A Avé Maria era a oração dita em conjunto por toda a classe, antes de se iniciar a aula e ao finalizar esta, em cada dia da semana.

Magda confundia Pátria e família, pois a sua dimensão de Pátria, tendo em conta que era o país onde nascera, pouco mais além ia do que o que via da janela da sala, do quarto andar onde havia nascido e vivia. Família, para além dos pais e avós, eram os tios, padrinhos e primos que tinha por perto, os demais, eram apenas pessoas...

(continua)

segunda-feira, janeiro 19, 2009

A HISTÓRIA DE MAGDA (continuação)

A Terceira Sessão

Magda chegou cinco minutos antes da hora marcada, mas como a aguardava, entrou de imediato no meu gabinete e depois de se instalar no sofá à minha frente, recomeçou a sua descrição de vida, como senão houvera parado por uns dias…

O Natal surgiu mais ou menos três meses depois de Magda ter iniciado a sua vida escolar.

Nos anos cinquenta, o ano escolar tinha o seu dia inaugural a sete de Outubro.

Magda parou um instante de falar, e sorrindo disse-me “sinceramente, estou a ser muito pormenorizada, não é verdade?” Respondi-lhe que o que interessava era dizer tudo o quanto necessitasse, pois seria essa a forma de podermos encontrar o ponto onde haviam iniciados as suas angústias, tristeza e medos, por forma a colaborarmos no seu desvanecimento.

À medida que Magda ia relatando a sua história, eu observava as múltiplas contracções de sobrancelhas, o encolher do lábio superior, por sinal muito bem desenhado, e ia concluindo que naquela parte da vida de Magda, nem tudo era tão risonho como ela o tentava fazer crer.

Passaram alguns minutos além das duas horas e Magda voltou a parar, levantando-se, pediu para pararmos.

Despedimo-nos e marcámos nova sessão para daí a dois dias no mesmo horário e ainda no meu gabinete de atendimento.

Dois dias depois…

Estava impaciente com o aproximar da hora de chegada de Magda.

Havia algo naquela mulher que me suscitava uma curiosidade imensa e me fazia imaginá-la como alguém misterioso e com angustias muito bem disfarçadas. O “toque-toque” dos nós dos dedos na porta do meu gabinete de atendimento e o seu característico “dá-me licença” fizeram-me acordar de uma sonolência que me deixara melancólica e ansiosa.

Depois de se sentar na poltrona à minha frente, Magda continuou, como se apenas tivesse interrompido para beber um gole de água...

Aos sete anos e seis meses de idade, Magda soube o que era o seu primeiro período de férias. Não teve necessidade de se levantar às oito da manhã para entrar na Escola às nove e podia brincar até à hora do almoço e à tarde, enquanto a mãe descansava das tarefas domésticas, recordava um pouco do que aprendera na escola e voltava a brincar com a irmã, logo que esta acordava da sesta.

Magda, até ter entrado na escola, ouvira da mãe e das tias avós todas as histórias que se contavam às crianças: O Príncipe com Orelhas de Burro; A Bela Adormecida; A Gata Borralheira; o Gato das Botas e tantas outras, onde reis e príncipes, ao lado de belas rainhas e princesas, comandavam reinos, onde a felicidade e a bondade eram uma realidade, embora ensombradas, por vezes, por bruxas más e magias inacreditáveis. Magda punha-se então a pensar que nunca deixaria os maus livres, para que não fizessem maldades aos bons.

Magda fez uma pausa e reparei que os seus olhos estavam vidrados, mas não interrompi o seu silêncio. Uns segundos depois, Magda, ao jeito de suspiro, disse-me que me havia de falar das pessoas boas que conhecera ao longo da vida, que lhe avivasse a memória, caso esta a traísse.

Na realidade, hoje encontrei Magda mais abatida e cansada e observei-lho, ao que me disse que todo o seu estado estava relacionado com a data, pois fazia quarenta e cinco anos que conhecera a pessoa mais maravilhosa que se podia imaginar. Não acrescentou mais nada e pausadamente continuou a sua narrativa.

(continua)

sábado, janeiro 17, 2009

A HISTÓRIA DE MAGDA (continuação)

Magda sentia-se apoiada na Menina Belmira porque era uma senhora muito mais nova do que a Directora e a irmã desta e não a assustava, porque era meiga e simpática. Era ela que lhe secava as lágrimas, quando Magda, cheia de saudades da mãe e da avó, desatava num pranto sentido. Como podem os adultos ser tão insensíveis para com a sensibilidade das crianças, pensava Magda, relativamente à Directora da escola.

Magda passou assim os primeiros meses na escola, na então denominada Primeira Classe.

A sala de aula era ampla e arejada por três grandes janelas com varandas, mas das quais, as alunas não podiam aproximar-se. A porta da sala de aulas era meia envidraçada, com vidros baços, onde havia, lapidados, uns ramos de flores. As paredes pintadas de cal branca, apenas tinham na parede lateral, oposta às janelas, duas grandes fotografias em molduras de madeira encerada em castanho-escuro: a do Presidente da República e a do Presidente do Conselho. Por cima do quadro preto, havia uma cruz, com um Cristo crucificado. Do lado esquerdo do quadro e direito das alunas, estavam pendurados uns quantos mapas, uns sobre os outros, sendo o primeiro o mapa de Portugal Continental, onde se observava as serras em diversas tonalidades de castanhos ou verdes, conforme a vegetação ou a falta desta e os cursos de água, onde saltava à vista os rios Douro, Tejo e Guadiana.

Não era permitido sujar as paredes, pois era falta de educação, perante as imagens expostas e a Directora da escola.

Mais tarde, Magda aprendeu que para respeitar os outros, teria de se respeitar a si própria, por isso, o não sujar as paredes era, sobretudo, por respeito a si própria.

E veio o Natal.


(continua)

sexta-feira, janeiro 16, 2009

A HISTÓRIA DE MAGDA (continuação)

Com um até quarta, despediu-se e eu ainda fiquei a analisar algumas das notas que fui escrevendo à margem, na folha da anamnese (este palavrão quer dizer que, para estabelecer uma avaliação e o diagnóstico do paciente, preenche-se um documento, ou seja, uma ficha onde se aponta a entrevista médica com os dados que serão uma orientação de base). Esquematizei como gostaria de fazer prosseguir a sessão seguinte, fechei gavetas e armário, computador, luzes e saí (a pensar em Magda).

A Segunda Sessão

À hora marcada Magda entrou na minha sala para mais uma conversa…

E prosseguiu como não tivesse havido qualquer interregno…

Posteriormente, aprendeu o abecedário, seguindo-se os números depois de dez e algum tempo depois, aprendeu a juntar as letras, vogais e consoantes, formando as primeiras sílabas, os primeiros ditongos. Seguiram-se as primeiras cópias de palavras como Pai e Mãe, Tia, Avó, mão, pão e palavras mais longas como jar-ro, bur-ro, ca-der-no... estas cópias eram feitas em cadernos especiais, os cadernos de duas linhas; primeiro escreveu com lápis e só muito mais tarde aprendeu a escrever com tinta.

A caneta era um tronco de pau, e os aparos de metal, soltos, que se substituíam logo que começavam a escrever mais grosso, ou a arranhar o papel. Magda molhava o aparo da sua caneta de pau pintado de vermelho, no tinteiro de loiça branca, que encaixava num buraco da carteira. Cada aluna tinha o seu, no topo superior direito da carteira.

Sempre que usava a pena, pois era assim que se chamava aquela caneta, Magda sujava as mãos, o que valia uns reparos da professora e às vezes uns toques com a régua nos nós dos dedos e umas boas reprimendas da mãe, que lamentava a filha não aprender rapidamente a lidar com a pena e a tinta...

Magda também apanhava com a régua por se distrair a olhar para nada... como dizia a professora, e a mãe costumava desabafar, que tinha uma filha sonhadora. Às vezes não estava em parte nenhuma.

Com a Tabuada, depois de aprende a contar, veio a soma de dois algarismos, três; duas parcelas, três e as respectivas provas dos nove e real. A subtracção: e aí iniciava a confusão...

Magda voltou a acender um cigarro, olhou para o relógio e perguntou se não estava a abusar da minha paciência.

Sorri-lhe e disse que estivesse à vontade e pedi que continuasse.

Então Magda confidenciou que receava ser muito morosa no seu relato e no seu estilo muito próprio, continuou, dizendo que tinha um cestinho em verga castanha, oval e alto, onde levava o termus com chá e o almoço, dentro de uma marmita de alumínio com andares, com os tachinhos encaixados uns nos outros.


A menina Belmira, a empregada do refeitório da escola, punha no prato os alimentos logo que soava o sino para o intervalo do almoço. De vez em quando passava e perguntava se faltava muito para acabar. Perguntava porquê não comiam tudo e assim que finalizavam a refeição, recolhia todos, os pertences de cada aluna, para arrumar os pratos sujos e as marmitas, dentro das cestinhas, que ao sair da sala de aula ao fim do dia, eram recolhidas nos bancos corridos do pátio interior, para que em casa as mães lavassem e preparassem as cestinhas para o dia seguinte.


(continua)

quinta-feira, janeiro 15, 2009

A HISTÓRIA DE MAGDA (continuação)

Magda foi para uma escola particular, na zona histórica de Lisboa. Disse que o nome da escola era “Externato Esperança” e era só para meninas.

A Directora, a Senhora Dona Aurora, era uma senhora de idade avançada, de porte imponente e autoritário, com um carrapito de farta cabeleira grisalha, no alto da cabeça, fazendo-a parecer ainda mais alta aos olhos de Magda e possivelmente, aos das outras crianças.

A irmã da senhora dona Aurora, a senhora dona Beatriz, ao contrário, era baixa, nem magra nem gorda e usava o cabelo, que também era grisalho, cortado e com permanente. Ensinava numa das salas e fazia os trabalhos de secretaria.

Tanto a Senhora Dona Aurora como a irmã, vestiam invariavelmente de preto ou preto e branco, o que lhes emprestava uma aparência ainda mais austera.

Magda entrou na escola pela primeira vez, com a sua bata branca muito engomada e com duas tranças caídas de cada lado da cara. Apertava a mão da mãe com força, para receber a confiança que só as mães sabem transmitir. Mas chorou sentida, quando perdeu de vista a mãe, que passara o grande portal tão rapidamente.

Mais uma vez Magda levantou os olhos e com um “não estou a ser incómoda?”, respirou fundo e prosseguiu.

Magda começou por ter cadernos de papel de vinte e cinco linhas, cortados ao meio, com uma capa de papel ao maço liso, onde o pai fazia um desenho, de acordo com o que Magda pedia. E começou por ter um Livro de Leitura para a primeira classe e uma Tabuada.

A mãe também lhe comprou a Cartilha João de Deus, para a ajudar em casa, porque embora já antiquado, este livro, dizia a avó e a mãe, ensinava muito bem.

No livro de leitura, com muitos bonecos coloridos, aprendeu o A,E,I,O,U. Na Tabuada, os números até dez.


(continua)

segunda-feira, janeiro 12, 2009

A HISTÓRIA DE MAGDA (continuação)

Magda contou-me,

Nasceu numa madrugada tépida de Junho no século passado. Nasceu com quase cinco quilos e era quase carequinha. Nasceu em casa, com a ajuda de uma parteira, como era comum, nas primeiras décadas do século XX. Gorducha, custou a nascer como todos os bebés de mães de estatura abaixo da média.

Ajeitou-se no sofá e sorriu com um ar melancólico.

Magda! Porquê Magda e não Margarida ou Filomena? Porque a irmã da Avó paterna foi a madrinha e também se chamava assim.


Magda nasceu feliz entre os pais e os restantes familiares mais chegados, numa meninice em que os sonhos dominam as realidades.

Aos nove meses Magda deu os primeiros passos e surpreendeu os pais com as primeiras frases atabalhoadas.

Magda estava rodeada de atenções, uma vez que tinha por perto a avó paterna e uma tia-avó além dos pais, pelo que o seu desenvolvimento era apreciável.

Pelos primeiros anos, os caracóis de um loiro dourado rodeavam-lhe a carita redonda, de onde sobressaiam uns olhos melancólicos, grandes e profundamente castanhos, que rasgavam caminhos de sonho, à sua frente.

Magda abriu a mala de mão e fez questão de me mostrar uma foto sua, de quando era bebé. Devo salientar que era mesmo gorducha.

Magda segredou-me que pouco se lembrava do seus dois, três ou quatro anos, mas, que à medida que se recordasse, falar-me-ia de algum pormenor que ajudasse a interligar o passado ao presente. Assim, Magda começou por me falar na fase da sua vida que melhor recordava.

Magda foi para a escola aos sete anos. Aos sete anos era a idade obrigatória para as crianças dessa época entrarem na escola.

... ... ... (continua)

segunda-feira, janeiro 05, 2009

CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DE MAGDA

A PRIMEIRA SESSÃO

Como iniciámos o relacionamento

Com um dá-me licença doutora, entrou pela porta do meu gabinete de consultas, uma mulher de uns sessenta anos, loira, nem gorda nem magra, e com um sorriso que tudo fazia crer, de boa disposição e que começou por me pedir que a deixasse acender um cigarro, acrescentando, que uma pessoa normal não fumava.

Disse que era a Magda e foi assim que encetámos a nossa conversa.

Peguei na sua frase de ser ou não ser normal, para lhe explicar sumariamente, como consideramos a fronteira entre o comportamento normal e o perturbado ou seja o “normal” ou “não normal” ou ainda se preferirmos, a delimitação entre a saúde e a doença mental, porque na realidade, para a psicologia clínica, é das questões mais delicadas. Expliquei que são possíveis três critérios para a avaliação – o estatístico, em que seria “normal” o indivíduo cujo comportamento fosse como o de uma maioria de pessoas; o normativo, em que seria “normal” o indivíduo que se conforma com as normas estabelecidas e o ideal, mas quem define o funcionamento psicológico ideal? Ora, a perturbação psicológica, é-o quando sentida como indesejável porque limita a autonomia e a capacidade de auto-realização, quando é vivida com sofrimento na relação do indivíduo consigo próprio e com os outros.

Magda acenou ligeiramente a cabeça e balbuciou que essa era sua grande apreensão. O seu relacionamento consigo própria e com terceiros. Estava sempre rodeada de sofrimento.

Pediu-me desculpa de me ter interrompido e ficou de novo em silêncio, e com a mesma expressão indecifrável.

Hoje, e passados alguns anos depois de ter recebido esta senhora no meu gabinete, penso que fui muito técnica e formal para dar início a um programa de sessões de acompanhamento a uma pessoa que, se me estava a procurar, razão tinha e por isso deveria ter sido mais acolhedora, o que veio a acontecer durante a entrevista, por ter existido uma empatia quase que imediata.


Magda olhava-me fixamente. Enquanto isso, eu também olhava aquela mulher, milímetro a milímetro, para a perceber, antes de dar início à consulta e fiquei surpreendida por não encontrar qualquer vestígio evidente que a fizesse ter-me procurado. Porém, quando a olhei nos olhos, e os nossos olhos se fixaram atraídos como hímen, consegui vislumbrar qualquer coisa: a tal “luz ao fundo do túnel”, pois estes, atrás dos óculos, mostravam uma tristeza sem fim, embora sorridentes e inquietos como os de uma adolescente.

Pedi-lhe então que me falasse de si, não omitindo nem transformando detalhes que poderiam ser de importância para a poder apoiar e dar início ao processo de acompanhamento psicológico que me viera solicitar.

Assim,

sexta-feira, janeiro 02, 2009

A HISTÓRIA DE MAGDA

A História de Magda é a sequência de muitos encontros, muitas conversas com duas chávenas de chá à frente, muitos desabafos, muitos suspiros e inquietações, dúvidas e desesperos...

Não é uma bisbilhotice nem tão pouco um lavar de roupa suja... Nada de fazer conjecturações ou juízos fruto de imaginação... Pode ser a história de qualquer Maria, Paula ou Francisca... é apenas a história de uma mulher a quem chamei Magda, para não lhe chamar Carla, Olga ou Leonor... uma história; uma vida.

A HISTÓRIA DE MAGDA


A História de Magda é a história de muitas Mulheres que, no decorrer das suas vidas, procuraram alcançar uma meta que haviam idealizado enquanto adolescentes, mas que os muitos obstáculos que tiveram de transpor, foi impedindo que chegassem a essa meta com os seus objectivos conseguidos e frustradas, stressadas, depressionadas, com uma baixa auto-estima, apenas vão deixando que o tempo passe por elas, esperando que se opere um “milagre” que as faça sorrir de novo.

Por vezes, procuram apoio junto de amigas ou até em “amores desconseguidos”, que as deixam ainda mais abandonadas.

Menos frequentemente do que o aconselhado procuram ajuda junto de técnicos especializados, porque desconhecem como é o procedimento destes, mas quando descobrem, sentem-se muito mais reconfortadas ao fim de algum tempo, como aconteceu com Magda.

Sessão a sessão vou contar-vos a História de Magda...