sábado, fevereiro 07, 2009

A HISTÓRIA DE MAGDA (continuação)

Este lugar liga-me muito à minha infância e à minha avó Maria, repetia Magda pondo uma certa ênfase no som das palavras.
Magda ia passando de recordação em recordação e enquanto caminhávamos, falou-me de uma loja onde a avó comprava tecidos e roupas variadas. A Dª. Celeste, uma senhora “loira” (seria?) E não muito nova, de óculos de lentes bem fortes, adorava sentar Magda no balcão, enquanto ainda era muito criança, e entre caixas de soutiens e de culotes, ia admirando a avó Maria a conjugar cores e feitios e a Dª Celeste a opinar que pijama seria mais confortável para a Magda, que se ia distraindo com tudo aquilo.

Magda ainda falou da drogaria onde se abasteciam de múltiplos produtos para limpeza, incluindo um produto que Magda diz parecer-lhe ter desaparecido do mercado e se chamava cloreto. Segundo parecia, era para branquear as roupas.

Depois perguntou-me se já me havia falado da morte da avó e acrescentou que a avó Maria havia falecido com a idade em que ela, Magda, estava.

Tinha tanta tristeza na sua voz e na expressão do rosto, que me apercebi de imediato que também havia um pouco de luto patológico interligado com outros estádios depressivos de Magda.

Continuámos até à margem do Tejo e Magda disse-me que além se apanhava o barco Cacilheiro para a outra banda, onde ia com certa frequência com a avó e a Tia e às vezes com a mãe, almoçar ao Ginjal, onde comiam chocos na tinta ou grelhados.

E continuou,

Ao longo da Doca, havia a lota do peixe, onde se acumulavam caixotes e caixotes de peixes diversos, mas sobretudo sardinhas, por altura do verão.

Magda estava visivelmente emocionada, mas um pouco menos triste e continuou em ar de desabafo, dizendo que a partir de certa altura da sua vida, passou a detestar a “outra banda”. Havia o episódio da jovem que namoriscava o seu amado. Tão infantil e tão ingénua se sentia naqueles tempos, por isso sofria tanto com medo de perder o que julgava ser seu – um amor!

De repente Magda parou e pediu-me que olhasse o seu pulso esquerdo e visse as cicatrizes e explicou que eram marcas de dores, para apagar outras dores, cujas marcas não se viam. Depois continuou no seu passo cadenciado que quase me fazia correr para a acompanhar.

O Tejo! Esse sim. Era aquele lençol de água com terra à vista do outro lado. Naquele tempo não havia ponte no seu horizonte. Um horizonte estreito mas que a transportava a sonhos inatingíveis, que poisavam naqueles barcos todos, com bandeirinhas multicolores à volta, que aguardavam o embarque dos homens, cujas mulheres mais pareciam umas bailarinas, com saias de fazenda em xadrez colorido, com pregas muito miudinhas e muitas saias de baixo com rendinhas e espiguilhas coloridas ( a avó dizia que eram mulheres da Nazaré, terra de pescadores, muito longe...), que depois dos homens se fazerem ao mar, choravam em lamúria pelas esquinas do Cais do Sodré, às vezes por muitas semanas, enquanto esperavam pelo regresso dos seus homens, que haviam partido para a pesca do bacalhau. Se não voltavam vestiam-se de luto carregado, quer dizer, toda a roupa preta e choravam e choravam…

(continua)