quinta-feira, dezembro 29, 2005

FRAGMENTOS DE PENSAMENTOS… …

Inconsequente é o sorriso que baila nos meus lábios. Ilógico é este sentir despedaçar de sentimentos. Irracional é este amor por um punhado de nada. Absurdo é todo este sentir a desmoronar-se o que se tenta construir. Paradoxal é o querer perceber porquê se significa tão pouco para quem se ama tanto…

O voo rápido de um pássaro nocturno chama a minha atenção… pareceu o meu suspiro…enquanto aquele pensamento se esbate em quem quer manter o silêncio e quer manter o afastamento… poderá ser o início do que tanto almejei, mas pode ser o fim do que não teve princípio…

sexta-feira, dezembro 23, 2005

MISSIVA

Em meia dúzia de linhas deixei-te a minha missiva. Foram palavras soltas, palavras apenas, para saber se já tinhas pensado, como é belo o que te rodeia: o verde das plantas, o castanho da terra, o colorido das flores…um verdadeiro arco-íris. Como uma coroa por cima das nossas cabeças… Que bom podermos ver cores tão belas…
E também como é bom sentir o quente macio dos lábios do amor da gente… é quase como sermos uma das cores do arco-íris… é como se fossemos um deus do Olimpo. Como se nos sentíssemos uma libélula sobre um nenúfar, num lago encantado…e nunca mais se esquece… Foi ontem? Foi há tanto tempo… que nem as árvores da Avenida das Descobertas se recordam… mas eu recordo e sinto o mesmo estremecer quando lá passo… e continuo a escrever como se fora ontem que ao fechar da porta me abraçaste…e não voltaste… é longe esse além? E tem arco-íris? Voltas para me beijares?

quarta-feira, dezembro 21, 2005

O PRESÉPIO


O nascimento de Jesus começou a ser celebrado desde o século III. A partir dessa data, realizaram-se as primeiras peregrinações a Belém, para se visitar o local onde Jesus nasceu.
Desde o século IV, começaram a surgir representações do nascimento de Jesus em pinturas, relevos ou frescos.
A palavra “presépio” significa um lugar onde se recolhe o gado, “curral, estábulo”. Contudo, esta também é a designação dada à representação artística do nascimento do Menino Jesus num estábulo, acompanhado pela Virgem Maria, S. José, uma vaca e um jumento. Por vezes, acrescenta-se outras figuras, como pastores, ovelhas, anjos, os Reis Magos, e outros. Os presépios são expostos não só em Igrejas, mas também em casas particulares e até mesmo em muitos locais públicos.
No século XVI, surgiram em Itália os primeiros presépios. O seu surgimento foi motivado por 2 tipos de representações da Natividade (nascimento de Cristo), a plástica e a teatral: A primeira, a representação plástica, situa-se no final do século IV, esta surgiu com Santa Helena, mãe do Imperador Constantino; da segunda, a teatral, os registos mais antigos que se tem conhecimento são século XIII, com Francisco de Assis, este último, na mesma representação, também contribui para a representação plástica, já que fez uma mistura de personagens reais e de imagens. Embora seja indubitável a importância destas representações da Natividade para o aparecimento dos presépios, elas não constituem verdadeiros presépios.
Passados 9 séculos, no século XIII, mais precisamente no ano de 1223, S. Francisco de Assis decidiu celebrar a missa da véspera de Natal com os cidadãos de Assis de forma diferente. Assim, esta missa, em vez de ser celebrada no interior de uma igreja, foi celebrada numa gruta, que se situava na floresta de Greccio (ou Grécio), que se situava perto da cidade. S. Francisco transportou para essa gruta um boi e um burro reais e feno, para além disto também colocou na gruta as imagens do Menino Jesus, da Virgem Maria e de S. José. Com isto, o Santo pretendeu tornar mais acessível e clara, para s cidadãos de Assis, a celebração do Natal, só assim as pessoas puderam visualizar o que verdadeiramente se passou em Belém durante o nascimento de Jesus.
Este acontecimento faz com que muitas vezes S. Francisco seja visto como o criador dos presépios, contudo, a verdade é que os presépios, tal como os conhecemos hoje, só surgiram mais tarde, três séculos depois. Embora não considerado o criador dos presépios (depende do ponto de vista), é indiscutível que o seu contributo foi importantíssimo para o crescimento do gosto pelas recriações da Natividade e, consequentemente, para o aparecimento dos presépios.
No século XV, surgem algumas representações do nascimento de Cristo, contudo, estas representações não eram modificáveis e estáticas, ao contrário dos presépios, onde as peças são independentes entre si e, desta forma, modificáveis.
É, nos finais do século XV, graças a um desejo crescente de fazer reconstruções plásticas da Natividade, que as figuras de Natal se libertam das paredes das igrejas, surgindo em pequenas figuras. Estas figuras, devido à sua plasticidade, podem ser observadas de todos os ângulos; outra característica destas é a de serem soltas, o que permite criar cenas diferentes com as mesmas figuras.
A característica mais importante de um presépio e a que mais facilmente permite distingui-lo das restantes representações da Natividade, é a sua mobilidade, o presépio é modificável, neste, com as mesmas peças, pode recriar-se diferentes episódios que marcam a época natalícia.
A criação do cenário que hoje é conhecido como presépio, provavelmente, deu-se já no século XVI. Segundo o inventário do Castelo de Piccolomini em Celano, o primeiro presépio criado num lar particular surgiu em 1567, na casa da Duquesa de Amalfi, Constanza Piccolomini.
No século XVIII, a recriação da cena do nascimento de Jesus estava completamente inserida nas tradições de Nápoles e da Península Ibérica (incluindo Portugal).
De entre os presépios mais conhecidos, é de salientar os presépios napolitanos, estes surgiram no século XVIII, nestes podiam observar-se várias cenas do quotidiano, mas o mais importante era a qualidade extraordinária das suas figuras, só a título de exemplo, os Reis Magos eram vestidos com sedas ricamente bordadas e usavam jóias muito trabalhadas.
No que se refere a Portugal, não é nenhum exagero dizer que foi aqui que foram feitos alguns dos mais belos presépios de todo o mundo. É de destacar os realizados pelos escultores e barristas Machada de Castro e António Ferreira, no século XVIII.
Os presépios portugueses constituem importantes obras de arte, grandes barristas portugueses ocuparam-se com esta arte. Nestes presépios existe uma conciliação perfeita do folclore português com as correntes estéticas.
O Livro da Fundação do Mosteiro do Salvador da Cidade de Lisboa, de 1618, de autoria de Maria Baptista, refere-se à existência de um presépio ali, antes dos meados de Quinhentos, presépio esse muito venerado.
Há notícia de pelo menos outro presépio em Lisboa, no século XVI, este foi encomendado a Bastião d’Artiaga em 1558 pela irmandade dos Livreiros de Lisboa, para a Igreja de Santa Catarina do Monte Sinai.
No século XVII, os presépios começam a espalhar-se pelo país.
O presépio barroco, no século XVIII, desenvolveu-se em Portugal no reinado de D. João V, recebendo talvez sugestão dos seus congéneres do Sul de Itália.
É neste século que se notabiliza, em Portugal, a produção de presépios pelas mãos de grandes barristas, em especial, Machado de Castro e António Ferreira.
Ora, tanto Machado Ferreira como António Ferreira, e de modo geral, todos os escultores da época, praticaram uma escultura de pequeno formato, em barro, onde a modelação impera.
Dos mais conhecidos presépios de Machado de Castro, destacam-se o da Igreja da Sé Patriarcal de Lisboa e o da Basílica da Estrela, também em Lisboa.
António Ferreira criou também importantes presépios, entre outros, foi ele o escultor do enorme presépio da Igreja Madre de Deus, em Lisboa.
Nesta época, os presépios têm uma presença constante em igrejas, conventos e lares particulares. Infelizmente, muitos desses presépios foram desmantelados, como é o caso do famoso exemplar da Cartuxa de Laveiras, mesmo assim subsistem montados bons exemplares como é o caso do da Sé (1776), o da Basílica da Estrela (1782), o da Igreja de S. José, o da Capela da Senhora do Monte e o da Igreja dos Mártires; desmontados ou apenas com figuras avulsas estão em vários museus, como o Museu da Arte Antiga e do Azulejo.
Os presépios contam com a participação de grande quantidade de pequenas figuras. Contudo, também existem com pequno número de figuras e com uma narrativa mais sintética, como o do Palácio de Mafra, este é um pequeno presépio em madeira atribuído a José de Almeida.
De entres os presépios de maiores dimensões, temos: o da Estela, com cerca de 500 figuras e o da Madre de Deus com cerca de 200. Um outro presépio de grande dimensão encontra-se no coro alto do Mosteiro de Santo André de Ponta Delgada, nos Açores, e integrado no Museu Carlos Machado.
No século XIX, o presépio começou a ser objecto da arte popular, caindo em desuso a criação de presépios monumentais.
Actualmente, o costume de armar o presépio, tanto em locais públicos como particulares, ainda se mantém em muitos países europeus. Contudo, com o surgimento da árvore da Natal, os presépios, cada vez mais, ocupam um lugar secundário nas tradições natalícias.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

HISTÓRIA DA RÃ QUE FOI RAINHA


Era uma vez, já lá vão muitos anos, num reino distante, perdido entre montanhas e vales, um príncipe já quarentão, casou-se com uma princesa de um reino vizinho.

A princesa era uma jovem muito bonita, de longos cabelos negros, escorridos pelas costas e tinha os olhos verdes como duas esmeraldas.

Passados uns tempos, morrendo o velho rei, o jovem casal passou a reinar e foi desejado um herdeiro. Tinha de ser um rapaz, pois naquele reino, por tradição, não poderia reinar uma mulher.


(O jovem casal)

Quis o destino que a jovem e formosíssima rainha tivesse uma filha e não um filho.

Também e por tradição, as madrinhas eram as fadas da floresta, que muito prontamente foram chamadas, para que fizessem desaparecer a princesinha do reino, uma vez que não poderia ser rainha.

(Estas eram as fadas madrinhas)


Depois de muito conferenciarem, as fadas decidiram levar a bebé e no lago que separava as montanhas dos dois reinos, deitaram-na dizendo que ficasse rã, até que alguém decidisse que deveria ser outra vez pessoa.

Tempos mais tarde, a jovem rainha, que passara a ter sempre uma aparência muito triste, teve um outro filho. Este veio rapaz e passaria a ser rei por morte do pai.

O rei, que envelhecera e já estava idoso, nunca permitiu que fosse revelado ao príncipe que tivera uma irmã mais velha e o jovem foi crescendo pensando que era filho único.

Estranhava a mãe ser uma rainha tão triste, mas nem ousava perguntar qual a razão de tanta tristeza.

Quando o jovem príncipe já era homenzinho e educado para ser rei, o pai morreu e ele teve de assumir as funções, mas não completamente, uma vez que era muito jovem.

O tempo foi decorrendo indiferente até que um dia, ao passear com a mãe, nos jardins do castelo, o jovem perguntou a que se devia tanta tristeza numa pessoa tão bela. A mãe encheu-se de coragem e entre suspiros e lágrimas, contou ao jovem príncipe as suas desditas.


Prontamente o jovem disse que isso não era justo e era necessário procurar a irmã, porque quem seria a rainha era ela, mesmo tendo de mudar as leis do reino.
Foram chamadas as fadas da floresta que explicaram o que haviam feito à princesa. O Príncipe mandou-as buscar a irmã, mas ficou muito surpreendido quando viu que a sua ordem não estava ser cumprida.



A causa da princesa não poder regressar, era a falta de uma das madrinhas, porque só ela sabia o resto das condições que fariam a princesa deixar de ser rã. Foi então essa fada procurada por todas as serras e florestas e quando chegou à presença do príncipe explicou que teria de ser ele a ir buscar a irmã, uma vez que a decisão de ela ser pessoa de novo era dele.

Fizeram-se os preparativos para ele ir procurar a irmã, enquanto pelas ruelas do castelo onde se cochichava a volta da princesa que ninguém conhecera.

Na carruagem puxada por muitos cavalos ia também a mãe, chorosa, mas na esperança de ser perdoada.



Chegados ao lago, o príncipe apeou-se e chamou a irmã, que saltando rã, lhe caiu nos braços mulher.


A alegria de todos foi indizível, pois jamais se vira algo assim e a princesa, tão bela quanto a mãe e tão bondosa, perdoou, pois percebeu que a força de uma tradição nem sempre é quebrada por falta de coragem e por não se saber enfrentar as mudanças.

Meses mais tarde a rainha, bela, elegante e muito distinta, tomava o seu lugar na sua majestosa cadeira, enfrentando o seu povo e fazendo-o entender como o amava.

Foram felizes, todos, dessa data em diante e jamais se tomaram medidas para que as mulheres não tivessem um mesmo lugar que os homens.

(história contada à Ritinha na madrugada de 11.12.05)

sexta-feira, dezembro 16, 2005

FALTA DE VISÃO…


Na terra de cegos, quem tem um olho é rei… só é pena não ser para ver o povo…

Também, com um só, pouco se faz… talvez nem se consiga ler bem os horóscopos semanais… nem se consiga encontrar um novo apaixonado. Às vezes nem com os dois… quanto mais com um só…
Quem tem razão é a “astróloga” Madame Fausta… Estou a seguir os seus ensinamentos à risca…

segunda-feira, dezembro 12, 2005

UM VULTO


Oportunidade é algo que surge como uma estrela cadente e cada um tem a sua, num momento que desconhece, mas que se volatiliza, se não a soubermos aproveitar… Tiveste a tua. Perdeste-a, porque a embriaguês por álcoois diferentes não deixaram nítida a imagem que tinhas em frente… eram figuras. Apenas figuras esbatidas que te faziam imaginar só…mas a verdade é que não estavas tão só como pensavas, ou como talvez quisesses estar… e as figuras esvaíram-se e passaram a ser sombras e depois do sol-posto já nem eram sombras… não eram nada!

… e ficaste com nada, porque não soubeste aproveitar o pouco que havias tido como dádiva de quem tanto te amava…
12.12.05

sábado, dezembro 10, 2005

MIL PALAVRAS…


A luminosidade desta tarde de sábado ofusca minha solidão. Muito embora esteja uma tarde cálida, estou gélida porque o frio interior não deixa que o calor do Sol me deixe mais confortável. A aragem que sopra mais parece uma canção de embalar, que me torna letárgica, até ausente… eu sou e não sou eu… sou o que o tempo permite que seja…

Ser eu e não ser eu, é algo que me faz sentir dois “eus” em mim e querer ser um e não ser nenhum… o Ser, esse que está sempre comigo, que é o “eu”, eu, esse entre um múltiplo de turbilhões, de ideias, de emoções, umas mais descoordenadas do que outras e que realmente está sempre comigo, é aquele que excluo, mesmo que temporariamente, para ser o eu que realmente não existe em mim… é a versão imposta, aquela que me faz ser a forte, a risonha, a admoestada, a que enfrenta a sociedade onde se insere e se mistura com ela, numa revolta sem dimensão. Porque a frágil, a carente, a vulnerável, essa “eu”, tem de se esconder, tem de se submeter ao seu restrito refúgio das mil palavras, onde as lágrimas são permitidas e a torrente das letras é um rio tumultuoso entre penhascos incomensuráveis…

Se penso e porque penso, escolho. Mas escolho o quê? Que decisão coerente posso tomar, a não ser a de esconder o que transborda por todos os meus poros? Que escolha fazer entre o ir e o ficar? Que posso esperar de qualquer das situações?

Ontem! O meu ontem é longínquo como distante está o cosmos… e no entanto ainda me afecta como se fora uma hora antes… e jantaste com ela… e nunca me disseram nada… e porquê? Então havia consciência de que isso me iria ferir… Passados todos estes sóis, quando já nem posso reclamar, contas-me tudo isso?... “Entrecosto grelhado!...” Creio que nunca mais voltarei a comer disso… ver-vos-ei sempre no prato… Só queria recordar o belo, o inexistente e afinal aquele “eu” só me traz o que me obriga a ser de novo forte e admitir que não sei de nada…

Se me libertasse desse tempo, do tempo passado, de todos os tempos passados, poderia talvez aclarar algumas ideias para o futuro… se chegar a haver futuro… porque se o futuro não for agora, não irá ter lugar mais adiante… não lhe vou dar essa oportunidade… voltar tudo ao mesmo… nunca! São muitos passados num passado sem tempo e isso não suportaria… afinal nunca passei da minha insignificância...

O Sol descai agora do outro lado e as sombras espreguiçam-se pelo monte acima, deixando que sinta o acentuar do frio da meia tarde… Como passou depressa esta tarde… nem deu para contar os pares de lágrimas que vão rolando pela face, num corrupio sem justificação…

Julguei que abrandaria toda esta amálgama de dores se pronunciasse o teu nome baixinho. Admiti que serias o elixir para abrandar o que me dói, mas não me ouviste, nem tão pouco admitiste que te estava a chamar… estou mesmo só…

E a tarde continua a descair. Não vejo aonde o Sol se vai deitar, mas conheço a paisagem de cor, por isso, vejo-o escorregando lentamente na linha do horizonte, depois das dunas do Guincho… aqui apenas vejo a sombra, com passadas de gigante, a beber as verduras do monte e a deixar uma crista luminosa como que uma auréola…

Com o acender dos candeeiros vou guardar o meu “eu” e deixar que o meu “eu” retorne às rotinas do habitual, entre suspiros de revolta e de aceitação, porque mais um dia vai morrer e com ele mais um pouco de mim se esvai…

10.12.05

quinta-feira, dezembro 08, 2005

RABISCOS NUMA FOLHA SOLTA


Bela acabou de se matar. É assim que começa o último livro que me ofereceste. É todo o historial de vida, morte e pós esta, de Florbela Espanca. É muito bonito, está muito bem escrito e se escrevesses uma dedicatória, possivelmente, dirias que são talhadas de vida de alguém preterido pelo amor e com uma mente tão perturbada como a dela…eu!

Semelhanças, poucas. Apenas o sentir em palavras, o que a alma deixa transvazar, depois da solidão e do inconformismo de não se sentir amada. Apenas a não coragem de sentir o prazer que pode dar um desvio na linha traçada, em uma qualquer cama, rugindo de satisfação, para abafar os urros que o amor poderia dar, se o tivesse encontrado…

Semelhanças…nenhumas, diria mesmo…só a de vontade de morrer, de me auto liquidar, para não sentir o que sinto, quando sinto que há um desmedido ódio contra o que a Natureza deixou para me aniquilar… pretextos, análises exacerbadas de moralismos inexistentes, sobretudo ao saber-te na boca de uns lábios carnudos e desmedidamente acutilantes, até ao desvario do prazer… são os gomos de uma laranja… que dizes doce, mas que me azedou o espírito e que ao degluti-la me deixou enfastiada, sem que te desses ao trabalho de me observar… e quantas laranjas não vais tragando, sem que me peças para provar… mas do suco que sobrar, com o veneno abençoado, vais um dia recordar, que mesmo com esse gosto, jamais deixei de te amar.

A grande morte, como escreveu o autor do livro sobre a Bela, será também a minha. Vão ser necessários, não três anos, mas uma vida inteira para dissecar os meus escritos, escritos de uma morte lenta, de uma morte que se foi processando ao longo de uma inexistência…

Para a minha amiga, que não soube esperar por mim, para lhe contar o como se iria desenrolar o resto dos meus dias e para ele, o ele que sem ser, sempre foi, não poderei deixar mais nada senão o sopro do último segredo que vou levar comigo – o de amar sem um amor…

Ontem passou mais um ano sobre o suicídio de Florbela, aos trinta e seis anos. Ontem, sete de Dezembro, fez um ano e sete meses que tu tomaste a tua punção aniquiladora… e tu, a vinte e sete completarias mais um aniversário, não fora a doença… poderias viver… Eu! Fui ficando, escrevendo, procurando até que a morte nos separe…

08.12.05

sábado, dezembro 03, 2005

SÓ NO DESERTO



Perdida neste deserto, solitária
Cheia de espinhos e dores
Sou planta, não alimária,
Mesmo assim, sofro de amores…

Sou um cacto neste deserto
À procura dos teus sabores
Mas sem água por perto…
Apenas vivo de amores…

E no deserto arenoso, solitário,
Agarro-me a um amor imaginário
Porque de verdade só há deserto…

Sem ramos, mas de bicos afiados,
Ainda espero abraços apertados,
Que sejam do areal que tenho perto…


03.12.05

quinta-feira, dezembro 01, 2005

IDIOTA!


Fica-me bem a designação. É exactamente como me sinto – uma perfeita idiota.

Gostar muito! Amar! Que idiotice!

Não tenho sido senão um palhaço, um robot animado para motivo de chacota.

Sonhar com sentimentos que há muito deixaram de fazer parte do teu mundo, não passou de uma idiotice. Apenas existem os que te fazem vibrar e nesses nunca fui incluída. Idiota! Pensaste que ias mudar o que já deu todas as voltas e volta ao ponto de partida.

Idiota! Como foi possível imaginares que algo ia mudar e que finalmente saberias o que tanto desejavas saber?

Idiota! Ouviste o que possivelmente não desejarias ouvir, sobretudo de quem o ouviste. E que vais fazer, idiota? Vais ter coragem? É desta vez que não vais sobrar, nem para recordação?

Idiota! Mil vezes idiota! Admitiste que poderia ser verdade! Mas enganaste-te. Idiota!
Apenas fui idiota!

segunda-feira, novembro 28, 2005

DESDE SEMPRE


Desde sempre foi para ti a minha poesia.
Desde sempre, meus tempos te dediquei.
Desde sempre, quando escrevia, apenas dizia
Que todas as palavras eram do quanto te amei…


Desde sempre, desde que te amei, eu sabia…
Desde sempre soube que foi um mito que amei.
Desde sempre senti que era de amor que sofria
E sem calar, toda a minha entrega calei…


O teu esverdeado, quente e fugidio olhar
Que nunca foi mais do que um breve encantar,
Me apaixonou e entristeceu até ao pranto…


De não sei onde, hás-de sentir este amar,
Porque de longes, minha ternura vais recordar
Pois não creio que te tenham amado tanto…

26.11.05

TUDO TEM SOLUÇÃO…


Depois de ter estado uma boas semanas com invasão de vírus, bactérias, espiões e outras coisas mais no meu computador (mesmo tendo o dito com bom acompanhamento técnico), isto sem contar com a neurose aguda que arranjei, decidi não olhar para os lados e fui comprar outro… Claro que nem olhei, porque se olhasse teria de fazer contas e isso era mesmo muito mau… acabava aumentando o estado de angústia e a escrita desenfreada em papelinhos por tudo quanto é lado…choro despropositado, saudade da saudade… desejo do absurdo…enfim estava a entrar em completo desvairamento… Espero que tudo volte a estar sob controlo…

28.11.05

domingo, novembro 13, 2005

O LEILÃO


Uma sala grande, mesas e paredes a imitar um palco. Luzes a incidirem nos materiais a apresentar. Uma mesa corrida ao meio com três cadeiras onde se sentavam dois juízes de arte, ladeando o leiloeiro, aliás, de renome. Em pé, à esquerda da mesa, o pregoeiro.

O leilão começou!

As peças eram antigas, belas, bem cuidadas e até valiosas para um qualquer coleccionador interessado em aumentar o seu património artístico.

Um foco de luz arroxeada direccionado para a silhueta da estatueta colocada a um canto da mesa, fê-la sentir o centro das atenções, logo que todos os presentes se sentaram pela sala.

Ao fundo, numa das últimas cadeiras, aquele homem, nem jovem, nem velho, fitou a estatueta desde o primeiro minuto. Li-lhe o pensamento: “Vai ser minha e render bem!”…

De cada martelada, estremecia toda, cada vez mais arroxeada e estatueta, que, sem despregar os olhos do seu admirador e até se sentindo atraída por ele, admirava o seu nervosismo e impaciência para o momento do remate.

Foi estabelecendo-se uma conivência entre a estatueta e o presumível comprador. Horas! Horas de expectativa. Horas de angústia, partilhadas num diálogo surdo, mas delicioso.

Chegou o momento!

Num profundo silêncio, apenas se ouviu o pregoeiro anunciar a base de licitação da peça.

Era alto o meu valor!

O interessado aproximou-se. Pegou-me. Passou os dedos macios por todas as curvas, deixou que os dedos corressem pela face, torneou os lábios e exclamou: “Muito interessante! Até se pode chamar de bela!”

Tinha gozado as delícias de me tocar… tinha usufruído todos os prazeres de volúpia que lhe tinham ocorrido enquanto me admirava de longe… Tinha-lhe pertencido por escassos minutos… e voltou a poisar-me na mesa.

Estranho. Estranhíssimo foi o ter-me colocado de uma tal forma que, quando virou as costas para regressar ao seu lugar, despedacei-me no chão, em mil fragmentos…

O leilão foi interrompido. O silêncio sepulcral e a excessiva claridade, encheram a sala repentinamente e um dos elementos do júri, solícito, tentou reunir os pedacitos que se espalhavam pelo chão brilhante da sala.

Foram saindo, um a um, todos os presentes. À noite, aquando da limpeza da sala, ouvi alguém exclamar que estava um coração de porcelana debaixo de uma cadeira quase ao fundo da sala…

11.11.05

sexta-feira, novembro 11, 2005

APENAS UMA FOTO!


Uma espiral de sentimentos desenrola-se em mim.
Tempestade de palavras anónimas, desregradas,
Funcionando como mola, como travão: um sem-fim…
Baralhando minhas emoções e pulsões inventadas.


As tuas palavras ditas, as indizíveis para mim,
Não passam de fragmentos de frases empolgadas
Entre quereres, ódios, raivas e pétalas de rosa carmim…
Que dás, tiras, iludes, brincas em banais jogadas…


Cara sem cara, só olhos, num turbilhão de imagens
Fingindo, iludindo, dando colorido às mensagens
E quem és? O que és? Apenas alguém que amei…


Jogador sem trunfos. Ilusionista de fantasias,
Jogando cartadas de palavras agrestes e frias,
Banalizando a amizade e o amor que te dei….
09.11.05

quarta-feira, novembro 09, 2005

HOMBRE!



















La hora blanca de la alborada;
En una cualquier ciudad,
el hombre empezó su revolución.
El hombre quiere su verdad.
¿Que buscas con eso? amor?
¿Así haces revolución?
¿Que haces desnudado en la Plaza?
¿Decir que tus derechos tienen valor?…
No eres necesario sublevación…
No necesito que me convenzas...
Puedes tener un otro amor…

07.11.05

domingo, novembro 06, 2005

IMAGEM OUTONAL


Entre musgos e ramos secos, divinamente outonal
Deixei meus olhos perdidos no pensamento
E com os lábios expectantes num pulsar colossal
Esperarei por ti, toda sonho e encantamento…


Estática, como uma rocha granítica no areal,
Esqueci todas as dores e o imenso tormento
Que foi o não saber se seria para ti o ideal…
Ou fora apenas usada, para teu esquecimento.


Amar-te com tanta incerteza tem sido belo
Muito embora um desgaste, um flagelo,
Mas que me leva a amar incondicionalmente…


E ficarei assim, na expectativa constante
Até quando vieres dizer, todo vibrante,
Que sou para ti quem querias realmente…

06.11.05

sábado, novembro 05, 2005

UM POEMA DE ADEUS


Cansei-me desta solidão e vencida,
Vesti-me de negro e tão só, esperei.
Olhei sem olhar o caminho da partida,
Triste, em despedida, não mais te verei…


Meu amor traído e a ternura preterida…
Não recordarei mais o amor que te dei,
Nem imaginarei que seria a tua querida…
Uma única verdade: Só a ti eu amei…


De negro vestida, por ti vou morrer.
Cansei de uma vida de tanto sofrer…
Esperar em vão o que só foi ilusão…


E enquanto nos seus braços vais viver,
Eu triste, solitária, apenas vou morrer,
Por nunca teres entendido esta paixão…


03.11.05

segunda-feira, outubro 31, 2005

FRAGILIDADES


Só, inconsolável, insegura, fragilizada, rejeitada, despeitada, que mulher és tu, que afugentas todas as dores num cigarro?...

Muito ocupada, muito estudiosa, observadora dos problemas que atormentam a sociedade, pronta a dar a mão aos inseguros (escondendo as suas inseguranças), que mulher és tu?

Apenas mulher! Apenas aquela que espera (sem esperança) amar e ser amada, ser forte, ser ídolo… ser apenas mulher…

Aquela que dá força (sem a ter), aquela que ri (chorando torrentes de lágrimas), aquela que tudo desculpa (sem se preocupar em sarar as feridas que lhe doem).

E isto é ser mulher. É ser a fumadora que se critica e castiga, porque não se olha para tudo o que o cigarro na sua boca está escondendo…

sábado, outubro 29, 2005

ESTA TARDE



Atrevidos, sorridentes, brilhantes, surgiram os primeiros raios de sol a meio desta tarde outonal, depois de umas chuvadas bem fortes…

E com a alma em alvoroço, deixo que os olhos passeiem pela paisagem, verdejante, do Monte Gordo, mesmo em frente da minha janela de trabalho.

É hoje! Coragem!

Sim, não vou perder outra oportunidade. Hoje tenho de dizer o que me vai na alma. Vou ganhar coragem e vou dizer o que sinto, o que penso e se tiver coragem de dizer tudo isto, direi o que espero…

Depois de muitas leituras, livros e livros aos montes ao redor da minha mesa de trabalho, apontamentos manuscritos entrelaçados com folhas e folhas, onde vou escrevendo textos e poesias, estão todos os resumos de Antropologia, Sociologia, Psicologia, Psicogerontologia…enfim! É hoje que vou decidir se farei ou não o trabalho sobre o tema que me apaixonou há uns anos e que, por inúmeras razões, tem estado em “standby”.

Mas na vida temos sempre de usar um “mas”. Um “mas” que condiciona tudo e todos os actos aos quais nos queiramos entregar. Uma limitação que ora é física ora psicológica e eu, nada de excepções à regra, balanceio-me ora entre uma outra, ora entre outra das limitações que me inibe qualquer vontade de progredir no meu trabalho, deixando de investigar, parando de escrever e apenas escrevinhar poemas ao acaso, ou escritos mórbidos, que deixam ver o meu estado interior… toda a minha insegurança, toda a minha fragilidade, toda a incerteza que me rege…

Trocando impressões com uma colega, chegámos à conclusão que amores inconsequentes deixaram mácula e nunca tiveram tratamento…e dizia ela com muita graça, que não há nada como um novo amor, para apagar a frustração de um amor não resolvido… mas isso será assim?... E quem me afirmará que não vivo mesmo esse tipo de situação? Se descobrisse…então o meu trabalho continuaria. Teria a quem o dedicar e quem sabe, a quem segredar doces palavras, dessas que andam por aí avulso, no que vou escrevendo, para colmatar lacunas…



28.10.05

domingo, outubro 23, 2005

INCONFIDÊNCIAS…



Muito lentamente, percorri os caminhos estreitos do lugar de repouso de corpos e almas.

Muito lentamente procurei o rectângulo de mármore, gasto pela erosão de muitas chuvadas, sol ardente e ventanias, neste vale de repouso.

Muito lentamente encaminhei-me para a placa com aquele nome, descolorido, mas bem definido, esculpido na pedra fria, agora aquecida pelo sol do princípio da tarde.

Muito lentamente sentei-me na borda de mármore quente, olhando nos olhos da foto já esbatida, num esmalte que fora já castanho…

Muito lentamente juntei meu corpo à laje quente, chamei pelo nome e deixei que esse sopro morno me acariciasse as orelhas, num profundo palavreado, de dizeres indizíveis, que são sempre as mais belas palavras de amor…

Muito lentamente senti que ternas mãos deslizavam pelo meu pescoço, numa terna carícia, deixando-me relaxada e deleitada; deixando que toda a tensão da revolta que me invadia, se fosse esvaindo, como que um desmaio suave me fosse invadindo…

Muito lentamente, acariciei a pedra sepulcral, como se fora o corpo desejado sob o meu, tendo o sol como testemunha de um inolvidável momento de amor…

Muito lentamente, os mais doces lábios roçaram os meus, sugando-os com doces beijos, num encantamento indescritível… beijando-me as mãos, os pés, as coxas… um todo de afagos carinhosos intraduzíveis…

Muito lentamente, toda a convulsão de um prazer indescritível me ia abalando, me ia transportando a um êxtase jamais sentido.

Muito lentamente, muito docemente, muito suavemente, penetrando em meu ser, todo entregue, todo deliciado por minhas ternuras. Todo o mundo parou para ouvir nosso arfar…

Muito lentamente, a libelinha poisou sobre as flores do jarrão de mármore. As flores também descoloridas, apenas eram lugar de poiso para os insectos ou passaritos que por ali andavam e que paravam para espreitar o nosso momento…

Muito lentamente, os sussurros cruzaram-se, como gemidos de aves nocturnas e momento a momento, com mais intensidade, com uma força vulcânica, soltei um grito. Um misto de prazer e angústia. Um grito de dupla satisfação que se cruzou com o que em desabafo do interior repetia “amo-te! … amo-te!”

Muito lentamente, fui perdendo as forças que me uniam àquela laje gasta pelas intempéries, mas que me dera o que ficará para a eternidade, depois dos momentos mais intensos que até então vivera…

Muito lentamente recompus a roupa. Muito lentamente voltei a sentar-me na ponta da pedra tumular. Muito lentamente acariciei todo aquele mármore liso e descorado pela erosão e levantei-me.

Muito lentamente, olhei o azul pálido, pela luz do sol, daquele céu que nos servia de coberta… e agradeci uma vez mais, a meia voz, como havia gostado daquele momento.

Muito lentamente, deixei que entre um suspiro de espanto e um de plenitude, me saísse da boca a verdade que me havia sido vedada toda a vida: realmente fizera amor!

domingo, outubro 16, 2005

EU SABIA!


Eu sabia! Eu sabia desde sempre. Eu sabia que era um mito. Eu sabia que nunca seria mais do que uma aragem na terra do nada, para além das dunas. Eu sabia que mais dia menos dia, nada significava e que seria apenas um sopro de raiva a juntar a outras raivas.

Olhei as linhas do comboio. Chamaram-me mas não atendi. Ignorei o chamamento mais uma vez… Jamais quereria ser o fulcro das atenções como se fosse a protagonista de um filme de terror… Há formas subtis de auto eliminação… Aí não haverá mais pesadelos, nem recordações……

Eu sabia que não era, nem sou, nem serei o que queria ser. Cheguei sempre tarde, se alguma vez cheguei a alguma parte… Até para amar há uma hora certa!

Isto são notas. Não mais o poema da saudade… Esse parte comigo… parte dentro de mim… sendo eu própria…

Eu sabia desde sempre, que apenas iria escrever frases soltas… palavras ao vento, como as folhas secas que rolam estrada fora, Outono dentro… Eu sabia que o medo é controlador da acção…

Eu sabia que os anos nos tiram a possibilidade de dizer “eu quero”, que nos impedem de sentir, de mostrar o que se sente, de escolher um momento feliz… de viver…

Eu sabia que sempre fora proibido dizer sim, simultaneamente ao coração e à obrigação…

Eu sabia que todos os nomes sussurrados, em nada tinham a ver comigo. Eu sabia que eram nomes, apenas nomes… Os nomes deles…as músicas para eles…a ternura para eles… Sempre os outros! Nunca eu!

Eu sabia, eu sabia… mas queria… queria saber como se pode ser alegre, estar sem stress, estar bem com tudo e com todos…mas também sabia e desde sempre soubera… que nada é compatível com nada… e as emoções, as pulsões, as impulsividades tiveram de ser contidas e amolgadas, para serem jogadas ao vento… fingindo que nada disso existe… apenas existe o último dia, como solução para todas as situações…

Eu sabia que nunca cheguei a estar naquele lugar àquela hora. Eu sabia que era a minha fantasia que me fazia acreditar no que não era; afinal eu sabia que não era mesmo…

Eu sabia que aqueles olhos que me olharam com ternura, não eram os olhos que me estavam a olhar, eram os olhos que eu queria que me olhassem…e eu sabia… e eu sabia que aqueles lábios que me tocavam, não era a mim que tocavam… eu sabia que não era nada… mas sabia apenas que queria sentir algo a que pensava ter direito… sem qualquer tipo de direitos… eu sabia que não era nada!

Eu sabia que naquela curva da estrada, havia de estar a sombra gigantesca daquela árvore, não menos gigantesca, que abraçava o meu sonho de amor…aquele Cipreste abraçou o meu amor, absorveu-lhe os beijos, percorreu-lhe o sangue e eu sabia que dentro daquela sombra, eu não cabia…

E eu sabia…sabia tudo! Sabia o que nunca quis saber, mas sabia e por muito que se tentasse procurar que eu não soubesse… apenas a morte podia esconder…e como um sopro de vento bailando entre a folhagem a amarelecer... vai encontrar-me e vai-me ter…

segunda-feira, outubro 10, 2005

O ESCRITOR FAMOSO E OS ELOS DO PASSADO

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Levantei-me e dei passos à toa pelas veredas do jardim da minha infância. Voltei a olhar o baloiço e lentamente atravessei o jardim de todas as minhas recordações. Os meus passos ressoavam no saibro solto e por entre a folhagem da velha árvore, parecia-me ver os olhos de Helena a admirarem-me.


Em passos lentos dirigi-me à minha casa. Cruzei os arcos de pedra cansada pelos anos que seguravam as ogivas.

Entrei na sala e olhei os cadeirões forrados de tecido florido, onde minha mãe se sentava comigo, para conversas e às vezes reprimendas… Sentado naquele cadeirão à esquerda, perguntou-me minha mãe, com ar severo, o que havia estado a fazer com Helena, naquele dia em que nem percebi o quanto Helena significava…

Abri a janela. Olhei para fora e vi-me criança, de calções ainda, correndo para apanhar borboletas…

Atravessei o corredor e no meu quarto, apenas abri a janela, de onde vi a paisagem, que em nada mudou… Dei meia volta e fui sentar-me perto da varanda, com as vidraças abertas, respirando o ar fresco do arvoredo. Mas a imagem de uma Helena tão criança ainda, não deixava de saltitar na minha imaginação. Agora compreendo como sempre a amei… Helena! Helena!...

Os olhos meigos e serenos de Helena, foram ao longo da minha vida, a doce companhia da minha filantropia.


Abri a última gaveta da estante de meu pai, onde minha mãe foi guardando os meus papéis, como costumava dizer, os velhos cadernos escolares e entre muitos desses papéis lá estavam uns quadradinhos de papel com desenhos de flores e o nome de Helena no meio…

Depois da morte de meus pais, era a primeira vez que aqui estava, serenamente, para actualizar burocracias e para recordar a meninice que tantas saudades me deixava…

Olhei de novo ao meu redor e tentei reviver todos os momentos, para me localizar nesse passado distante e idealizar como estaria Helena, que deixara de dar notícias desde tempos indeterminados…

Passei horas e horas neste vai e vem, de divisão em divisão, e já à noitinha, o senhor Chico veio trazer-me uma sopa ainda a fumegar e um naco do bom chouriço de seu fabrico e umas fatias de pão, para aconchegar o estômago.

Tagarela o bom velho Chico, que me conhecera miúdo, com poucos anos de diferença dele, pois que quando nasci a mãe dele trabalhava cá em casa e ele era muito criança…chegámos a chutar a bola nas traseiras, quando regressava da escola. Mas a tagarelice do bom Chico deu para me preencher as lacunas de memória e para me dar algumas novidades que desconhecia.

Também tinha na mão um pacote de correspondência que havia junto, para me entregar, quando me voltasse a ver.

Cartas! Uma infinidade delas, para meus pais. Publicidades e postais de amigos que haviam partido para o estrangeiro durante a minha ausência e de quem não ouvira mais nada… Mas! Surpresa, aquela carta pareceu-me estranha…de uma Helena Portier…para mim…

Abri sofregamente, sem dar ouvidos ao Chico, que a sopa arrefecia, e comecei a ler. Helena! Minha doce Helena! A carta havia sido escrita há mais de três meses e participava o falecimento do marido, bem como a sua vinda à nossa terra, pois que voltava para expor as suas pinturas na capital.

Beijei as faces do Chico, tisnadas pelo sol, e saltei, mesmo esquecendo que já me queixo muitas vezes de dores reumáticas… Helena ia voltar! E pelas datas, faltavam apenas dois dias para ter possibilidade de a rever… nem havia tempo de fazer projectos… mas ia voltar a ver Helena!

domingo, outubro 09, 2005

LAIVOS DE PENSAMENTO


Acinzentada a manhã deste sábado, deixa-me numa angústia sem explicação e a instabilidade emocional instalou-se como se fizesse parte de mim. Pergunto-me porquê toda esta inconsistência emocional, quando nada me devia induzir a um tal estado, depois de me ter decidido a que qualquer sentimento que me entristecesse, seria banido impiedosamente.

Esta introdução tanto poderia ser mais uma folha do meu Diário, como uma das minhas cartas à minha amiga que amanhã completará mais um mês de ausência do meu convívio…

Quando aquele raio se sol entrou pela sala, reflectindo-se em mim e depois se refractou ao meu redor, idealizei o mais belo sonho de amor, que não ousara sonhar antes…

Conforme escrevi em outras épocas, escreverei hoje, que a desilusão é o meu dilema…Sempre sonhei. Creio que sempre sonharei… um rosto liso, uma boca doce…uns sentimentos nobres e muito sinceros…e sobretudo muito amor…

Mas o sol voltou a esconder-se e tudo escureceu…tudo não passou de ilusão. Tudo não foi mais do que fruto da minha imaginação…

E que imaginação!…

As cores definidas pela luz do sol esbateram-se e do cinzento que me rodeia, apenas umas sombras mal definidas se acentuam ao longe…aquela saudade…a saudade de quem nunca me iludiria, se a grande sombra do fim não a tivesse levado para o infinito espaço do pensamento…

As pessoas importantes partem…ou mudam de residência… partem sempre para não voltar… e a saudade fica para nos mortificar…

Que maravilhoso seria fechar os olhos e voltar a escutar uma frase que me emocionava sempre…”como gosto de ti…” como não houvera de ter saudade de tanta sinceridade…de tão puro e simples mostrar que tinha um significado, que existia para o pensamento de alguém…Como seria maravilhoso dobrar a esquina daquela rua e sentir que me pegavam na mão e um beijo doce era a despedida, para quando não sabia quando, nos veríamos de novo…que belos anos quinze de uma bela adolescência, cheia de poesia e ideais…que nunca viriam a existir…

Amigos do além! Quereis ao menos uma vez transmitir aos amigos do aquém quão carente me sinto de belos momentos, momentos só meus, só para mim, sem interferência dos vossos outros amigos…como faziam…Quão importante seria que os amigos do aquém aprendessem a dizer quanto me amam, como me amavam vós… quanto mostravam que precisavam de mim…mas transmitam também, que não devem partir, para que não fique ainda mais só…

Agora, envolta neste cinzento, apenas revivo uma saudade que cresce a cada tentativa de encontrar o lado de lá do monte, num dia solarento…

São palavras…apenas palavras de mais um dos meus escritos em louvor de uma saudade imensa, sem que nada nem ninguém tenha conseguido ainda esbatê-la do meu ser…São laivos do meu pensamento são tiras de uma demência que vai globalizando todo o meu ser…São mutilações ao Id, que o superego provoca sem solucionar as consequências…

08.10.05

quinta-feira, outubro 06, 2005

AQUELA ROSA


Guardei naquela caixinha, uma rosa ressequida,
Para me recordar dela, quando sinto saudade.
Guardo-a ainda que seca e envelhecida…
Porque ma deram quando sonhava com verdade…

Foi uma farsa, uma fantasia de amor, esquecida,
Que me marcou sem piedade, para a eternidade,
Pois que ele o “ele” eleito, deixou-me tão ferida…
Fez-me sentir para sempre, mera casualidade…

Flores de outros canteiros, seus amores preferidos,
Nada eram como o eu, eles eram os seus queridos…
E se não tivesse morrido esta alma solitária,

Teria amado para sempre aquela rosa viçosa,
Que deixei secar na caixinha e saudosa…
Vai lembrar a vida inteira esta alma solitária…


05.10.05

terça-feira, outubro 04, 2005

BEIJO!



Envolta na bruma do sonho ideal,
Cheia de ilusões e o corpo a pulsar,
Deixo envolver-me num todo irreal,
Que é a tua estranha forma de amar…

Deixo que o olhar brinque, teatral,
Para depois, sempre hesitante, te chamar…
Escondendo sempre esta tristeza sem igual,
Sempre, pela tua estranha forma de amar…

E mãos e corpos fortemente abraçados,
Suspiramos como que apaixonados,
Esperando conseguir esquecer o passado…

E pensamentos, em uníssono e ligados,
Não passamos de meros enamorados,
De sonhos e de tudo o que nos foi vedado….

03.10.05

segunda-feira, outubro 03, 2005

LOUVOR AO FADO!


Famintas almas de gentes,
Venho dar-vos de comer:
Uma poesia de amor
Um cravo de liberdade,
Muitos versos de saber,
Um pouco de alegria e cor…
De tudo, menos verdade!
De renúncia, de hipocrisia…
Muito perdão pelo que mentes
Condescendência por me esqueceres,
Um prato de fantasia…

De tristeza, nem falarei
Porque a fome já é triste
E com esta minha poesia,
A fome não matarei,
Porque ela sempre persiste…

Mas dar-vos poemas a ler,
É tudo o que posso dar
Já que seu amor não terei,
Nem nunca irei saber
A quem está a amar…
Dou-vos palavras, somente…
Porque vos quero a lutar,
Por tudo o que há de valor:
Vontade de conhecer,
Um sorriso permanente,
Uma boca para beijar
E sempre, sempre Amor!

02.10.05

domingo, outubro 02, 2005

20H21 – Figueira da Foz 07.09.05



Horas que passam num tempo que parou dentro de mim. Horas que esperam por outras horas, sem que nas horas presentes, ou nas horas que hão-de vir, eu possa saber o que vai dentro de todas essas horas.

De entre o barulho ensurdecedor que me rodeia, sentada à mesa deste café, sinto o peso de um silêncio mortificante. As notícias são devastadoras: incêndio, morte agressiva de uma criança de seis anos…e toda a reportagem relacionada com a horrenda tempestade nos E.U.. E tudo baila na minha mente, como se fora dentro de mim que se desenrola toda a tormenta e o silêncio sepulcral com que me presenteias é mais do que o indício de que tudo em nada resultou. Tudo continuou, sem diferenças. Perdi! A verdade é que nada é consistente quando se parte da consequência para a causa e se a causa não tem razão de existir, então a consequência é vã.

E mais horas serão horas em que, prisioneira do silêncio e da angústia, a dúvida do que não oiço vai persistindo… E que quereria eu ouvir? O que já sei: que todas as horas foram belas, as que passaste. Que de prazer em prazer, me esqueceste. Que fui preterida em prol do que quero desconhecer, mas que sei existir. Num tempo que lentamente passa, sem hesitações e repleto de negações, que me preenchem hora a hora, sem passado, futuro ou vestígios para além das cinzas que de mim sobrarem.

Se pelo menos uma vez, se pelo menos num breve respirar fundo pudesse ter ouvido dizeres que me amas… se pudesse reviver o doce beijar que idealizei…se não tivesse o medo que tenho de ouvir essa verdade… se não existissem esses amores ofuscantes pelos que te absorvem os pensamentos e os desejos…se tudo isso que me amofina a alma deixasse de me acorrentar à saudade esmagadora dos meus dias…nem ouviria o barulho ensurdecedor que paira em meu redor, enquanto escrevo e tomo este café…

sábado, outubro 01, 2005

O DIA SEGUINTE


A porta bateu com estrondo. A janela não voltou a abrir-se e um silêncio sepulcral passou a reinar no patamar primeiro do prédio mais alto daquela rua.

O Sol zangou-se e escondeu-se atrás de um manto espesso de nuvens cinzentas. Não voltou a brilhar e passou a ser sempre Inverno…

Sempre que passo, apresso o passo para não se prolongar o arrepio que me sobe as costas… e a dor aguda que me trespassa o peito mais parece a de uma espada incandescente, pronta a ser batida por um qualquer ferreiro (que se calhar já nem existe algum…), e que queima todo o meu ser, deixando-o em brasa e depois em cinza, para que o vento sopre e a leve para o lugar deixado vazio, quando aquela porta bateu pela última vez.

A dor, aquela dor sem nome, é o meu dia a dia. É uma dor tão profunda, que não sei de onde vem, nem onde nasce. É a dor que consome, um a um, os meus momentos: A dor da solidão, a dor da saudade, a dor da nostalgia da recordação… e aquela porta não voltou a abrir-se… nem a janela deixou que o cortinado esvoaçasse, nem tão pouco deixou que uma daquelas melodias soasse como música de fundo…

A melancolia que invade todo o meu pensar é uma dor constante, que da alma passa ao corpo. É uma dor somática. É uma dor psíquica. É uma dor carregada de negatividade activa geradora de destrutividade… isso! Um caminho tortuoso para a auto-destruição.

A dor da renúncia sem adeus. A dor da troca sem um insignificante nada como adeus… a porta fechou-se deixando a dor avançar, sem beijos, sem ternuras…sem um simples olhar… só isso! E a dor que sinto é incomensurável porque sem porquês, não lhe resisto…

A dor da ausência domina a existência dos dias que passam sem passar… A dor da tristeza, a azul dor da morte que vive dentro de mim e dentro de mim vive, matando-me a cada minuto… desde que aquela porta bateu com estrondo e nunca mais se abriu…


30.09.05

terça-feira, setembro 27, 2005

NÃO SEI!



Não sei se a distância é tempo
Ou se o tempo é distância…
Não sei se o silêncio é tempo
Ou se o tempo é feito de silêncios…
Não sei o porquê desta ânsia…

Não sei se o meu tempo é real,
Não sei se o real é o meu tempo…
Não sei porquê esta distância é fatal…
Nem tão pouco porquê estes receios.
Não sei! Só sei que é meu pensamento…

Não sei se o amor é verdadeiro
Se é a tempo inteiro ou intemporal.
Não sei mesmo se és meu amor primeiro
Ou se apenas tenho sonhos e devaneios…
Não sei o porquê te fiz meu ideal…

23.09.05

sexta-feira, setembro 23, 2005

SUSPIRO !



Onde eu nasci, quero uns dizeres
para quando eu morrer e tu viveres,
passares naquela rua a recordar,
quem naquela janela nasceu para te amar.


Nas nuvens, nos campos, para veres,
estarão sempre inscritos esses dizeres
que na sombra ou nas ondas do mar
são para a eternidade, testemunho de t’amar.


O rodar do pião de uma criança,
Uma boneca embalada, foram esperança
Que nunca vi como realidade... ...


E todo o ciúme sentido e escondido
São provas eternas de um amor perdido
Que, sem resposta, apenas é saudade... ...

terça-feira, setembro 20, 2005

PRAIA DE ALMOGRAVE



As ondas desfaziam-se em tufos de espuma entre as rochas, que quais amantes apaixonados, se deixavam acariciar em turbilhões de carinhos.

Assim, extasiando ante estas vistas tão envolventes, passei uns dias, entre a agonia da saudade e o desespero da distância… mas voltei, e aqui de novo, admirando o meu Tejo passando lá em baixo, como um manto, e, levando os meus pensamentos, volto a escrever, envolta na saudade que não pára de deixar de viver dentro de mim….

Em cada onda daquele mar tão impulsivo fui vendo o desenrolar de sonhos que se iam desfazendo na areia, engolidos por uma sede imensa, como se quisessem que eu também me deixasse absorver e fosse desaparecendo naquela areia macia… e foi lá, que fui perdendo algumas ilusões que os sonhos tinham deixado…

Mas voltei! Voltei para ficar mais só do que partira. Voltei com os olhos naquelas ondas, que revoltas e imprevisíveis, como amores impossíveis, me prenderam aos seus encantos…

segunda-feira, setembro 12, 2005

DA MINHA JANELA VEJO…



Seis da manhã! E da varanda do meu compartimento de trabalho, onde tenho o computador, estantes com livros, a secretária de trabalho, os cavaletes e telas e ainda a passadeira para umas passadas de descontracção, vejo esta paisagem linda, com o Tejo a passar lá em baixo e o Monte Gordo a dar-me os bons dias…não digam que não sou sortuda… com esta paisagem, estou sempre inspirada pelas Tágides…
E com a ponte, que me deixa do outro lado da Lezíria, posso passear os olhos por uma imensidão verde a perder-se no horizonte. Lá ao fundo fica Porto Alto e quando o Sol brilha, manhã alta, vejo a saltitar de ramo em ramo muitos pássaros e de arbusto em arbusto os melros.
Quando o vento sopra forte, faz dançar os eucaliptos que estão frente à minha janela e um sibilar constante nos fios de alta tensão, por vezes deixa-me tensa e angustiada e vai daí, ponho-me a escrever…o que podeis ler, sempre que passo esses escritos para os Blog…
Espero que vos inspire esta paisagem…
11.09.05

domingo, setembro 11, 2005

MINHA ROSA PINK



Minha rosa adorada, minha flor de eleição
Meu sonho, meu desvario de amor.
Deixas minha alma em alucinação…
Deixas meu corpo em franco torpor…


Minha rosa “pink”, és a minha devoção.
És toda amor, loucura, paixão e dor,
És o afago carinhoso da minha ilusão…
És a beleza e do carinho o esplendor.


Deixa guardar-te no peito ansioso
Como dádiva de um ser todo amoroso
Que te tem noite e dia, como uma magia…


Que te beija e bebe o teu beijo fervoroso,
Que te dá um abraço terno e carinhoso
Que te põe na cama com toda a fantasia…



10.09.05

quinta-feira, agosto 25, 2005

PARA VÓS


Com este ramo de rosas, belas,
Venho dizer o meu obrigado
Aos que me criticam e apoiam
Aos que se emocionam e choram,
A quem amo, sem conhecer…
E com estas rosas singelas,
Vindas do meu amado,
Presenteio todos, com amizade
E a todos quero dizer
Louvando pela escrita, a verdade
Que jamais os irei esquecer.

O mau juízo está perdoado
E a bandeira da ambiguidade
Vou tentar ignorar
E vou continuar a escrever
Pelo Amor e Liberdade.

24.08.05

segunda-feira, agosto 15, 2005

ROSA DE HIROSHIMA




Recordei Ney Matogrosso cantando a Rosa de Hiroshima. É realmente um tema que ele canta com o sentimento que todos lhe conhecemos e que nos transporta a recordações da História, que nunca deveriam ter existido.

Mas a Humanidade anda cheia de rosas negras e inúteis, que vão destruindo por onde vão sendo plantadas. Funcionam como ervas daninhas e não como a mais bela flor do universo floral da flora do planeta Terra.

A minha rosa negra, porque também tenho uma “bela” rosa negra, ao ser plantada, pareceu ser a mais bela flor que iria ter no meu jardim, contudo, ao desabrochar, cresceu descomunalmente e foi fazendo sombra aos narcisos, túlipas, jacintos e nem a bela orquídea escapou à sombra que ia crescendo progressivamente, não respeitando o espaço das outras, não menos belas flores…

Mas o mais grave é que ao colhendo todos os nutrientes da terra e ao sol magnífico, também foi desenvolvendo os espinhos que rodeiam o seu caule e assim, nem a posso colher, para libertar as outras flores de toda aquela possessividade. Fiquei prisioneira de uma rosa, sem que sequer lhe possa tocar ou sentir o aroma.

15.08.05

sábado, agosto 13, 2005

UMA SESSÃO COM MAGDA



Magda entrou e sentou-se. O olhar era estranho, ausente e triste mas simultaneamente confuso. Parecia assustada. Nunca vira Magda entrar assim no meu consultório.

Pedi à Mafaldinha que deixasse um jarro de água e um copo na mesa de centro e saí da minha secretária e fui sentar-me perto de Magda, no sofá em L que tenho num dos cantos do consultório.

Magda abandonou as mãos no regaço e balbuciou palavras ininteligíveis… qualquer coisa como quero esquecer, não posso mais viver assim…

Ofereci-lhe água, deixei-a acender o cigarro habitual das sessões mais agitadas e proporcionei-lhe o silêncio que necessitava para arrumar as ideias ou talvez não; talvez apenas para escolher as palavras com que queria abordar o assunto que a deixava tão insegura.

Magda começou a falar, um pouco mais rapidamente do que o habitual, mas sem me olhar. Pareceu-me que estava indecisa se havia ou não de me contar… mas se o não fizesse, como poderia eu ajudá-la a superar o mau momento que se estava cruzando com ela?

Passara a primeira meia hora da sessão quando Magda pediu para acender um segundo cigarro e deixando-se de rodeios começou a relatar os factos que a estavam deixando tão instável.

Assim, Magda contou-me que passara mais um aniversário de seu casamento, dentro de um absoluto silêncio e de recusa de ver quem quer que fosse. Chorara todo o dia, de raiva, de revolta, de insegurança e de desespero, porque ao final de tanto tempo, nunca conseguira ultrapassar todas as dúvidas e ressentimentos que acumulara. Chegou a dizer-me que se detestava, porque não conseguia ter coragem de enfrentar todas as realidades que a estavam a agredir… o seu relacionamento sexual com o marido, ponto fulcral, era uma farsa. Uma nojenta farsa repetiu, com as lágrimas bailando à volta dos olhos. Levara décadas a sentir isso, e quando disse ao marido o que se passava, para tentar salvar o seu lar, ele apenas lhe disse que isso era assim mesmo…apenas podia dizer-lhe que procurasse um outro homem, que fizessem sexo para saber como era com outro. A única condição imposta seria contar-lhe tudo depois…

Magda soluçou…como poderia ela, sensível como era, fazer sexo com alguém, só por fazer… já o fazia em casa, quando era obrigada…

Magda levantou-se. Ainda mais agitada, encheu de novo o copo de água e acendeu o terceiro cigarro…havia passado uma hora de sessão…

Pedi-lhe que se acalmasse e desviei o tema da conversa para umas banalidades e falei-lhe de que o caso dela não era o único, uma vez que, infelizmente, muitos homens com idades compreendidas entre os cinquenta e os sessenta anos, devido a erros de educação e ignorância, não interpretavam os sentires das mulheres como coisa séria…

Magda voltou a sentar-se e depois de alisar as calças, recomeçou. Muito mais calma, mas mesmo assim a medo, revelou-me o que eu já havia equacionado através de dados anteriores… Magda conhecera alguém… mas o que não sabia, era o que Magda ia contar… e à medida que as palavras lhe iam saindo, como que ressaltando degraus, eu ia ficando mais preocupada…pensei que teria de ter uma conversa com o ídolo de Magda.

Magda revelou-me sentir-se profundamente atraída por um amigo da filha, jovem, mas mais velho do que esta e colega, que viera para estagiar numa matéria que estudaram no estrangeiro, onde se haviam conhecido. Contudo, os contornos do relacionamento eram deveras confusos, por todos os motivos que Magda me revelou. Não podia acrescentar muito mais, mas sugeri que Magda fosse viajar para reflectir se o que estava a tentar, estava de acordo com a sua maneira de pensar…voltaram as frustrações, as inseguranças e o choro descontrolado.

Duas horas! Felizmente que não tinha mais pacientes na sala de espera. Então ocorreu-me convidar Magda para sairmos do consultório e irmos até uma sala de chá, para que o ambiente se tornasse mais acolhedor e menos formal, de forma a fazê-la observar outro meio e sentir-se mais liberta do estado de tenção em que se encontrava.

Magda fez questão de ir ao “Bico Dourado”, explicando que era um lugar calmo, com música ambiente e que ao final da tarde poucas pessoas costumavam estar por lá e por isso poderia sentir-se mais à vontade. Acedi e depois de darmos umas voltas ao quarteirão, conseguimos estacionar.

Eram dezoito e trinta. A penumbra da sala, com um pianista a um dos cantos, sobre um estrado e tocando num piano de cauda, fez-me sentir como se estivesse a ver um filme. Magda dirigiu-se para o canto oposto, para a mesa que me pareceu ser a costumada. Mas como estivesse ocupada por dois homens, ficámos numa outra perto, tendo os dois indivíduos de costas para nós. Magda ficou agitada, mas sentou-se.

Passados alguns minutos, depois de termos feito o nosso pedido de um chá verde, começámos a falar da decoração da sala, por sinal muito original, quando Magda me chamou a atenção para os carinhos entre os dois senhores que estavam na tal mesa, aliás, mesa que costumava ser ocupada por Magda e pelo tal colega da filha, quando ao fim da tarde se juntavam para conversar, segundo me revelou. Quando um dos jovens se levantou e ficou de perfil, Magda empalideceu, e começaram a correr-lhe duas grossas lágrimas pela face. Peguei-lhe na mão e acalmei-a, tentando saber o que se estava a passar.

Quando ele cruzou a nossa mesa, dirigindo-se aos lavabos, baixou-se e beijou-a com um simpático olá, mas sem dar oportunidade para apresentações, e seguiu. Então estava tudo explicado!

Chorou-me a alma, porque vi Magda numa situação muito semelhante àquela que havia tido aquando ainda estudante, mas que felizmente nunca deixáramos de ser amigos…em tudo!

A minha dificuldade era fazer Magda compreender e aceitar o jovem, tal como ele era e que deveria apoiá-lo e não tecer críticas ou depreciá-lo. Se o amava como acabara de revelar, isso em nada prejudicaria um sentimento tão nobre. Não podia ver as coisas como em décadas anteriores, em que os tabus e o desconhecimento levavam a que as pessoas banissem do seu relacionamento os que eram menos iguais.

Sem ter pensado qual seria o rumo da conversa, comecei a “dar uma aula”, explicando o que a natureza pode fazer, sem que nós possamos interferir. Tentei fazê-la entender que o facto de se ser assim ou de outra maneira, não somos nós que o queremos, mas sim fruto de consequências genéticas, do desenvolvimento e do ambiente em que se desenrola todo o crescimento do ser humano.

Magda olhava-me incrédula, mas ia abanando a cabeça e acabou por revelar que já se havia envolvido com o jovem arquitecto em intimidades e era isso que a estava a importunar. Não aceitava que ele fizesse aquela duplicidade de actuações.

Uma vez mais tentei explicar a Magda que o seu caso não era o único e nem por isso as pessoas deixavam de ser felizes. Ou aceitava ou rejeitava, mas deveria pensar bem, porque ela própria poderia estar a exercer um papel de equilíbrio e não era justo pensar de outra forma, apenas com um alerta: a saúde de ambos.

Magda olhou o relógio e disse que tinha de regressar a casa. Levei-a à porta, onde já havia ido por diversas vezes em outras consultas, logo pelos primeiros meses em que iniciáramos as sessões.

Pedi a Magda que voltasse ao consultório dois dias depois. Tinha de estudar alguns detalhes, porque Magda estava muito agitada e podia reiniciar a depressão que estava tratando há meses.
2005, August

quinta-feira, agosto 11, 2005

11 DE AGOSTO!



Vou perpetuar esta data!

Nunca esquecerei o sol quente que brilhava como o mais puro diamante, naquela manhã de onze de Agosto.

Nunca esquecerei como era azul o céu nem como era azul o fato que vestias. Azul, de um azul que ficou gravado nos meus olhos.

Nunca esquecerei os teus olhos tão castanhos, tão intensos, nem tão pouco esquecerei o sorriso bondoso e atraente.

Nunca esquecerei a gentileza da palavra. Nunca esquecerei o gesto delicado. Nunca esquecerei o nunca ter esquecido um tão belo momento…

Nunca esquecerei que iniciei a mais bela etapa de sonho, de romance, de ilusão, … de agonia e tristeza que foi envolvendo toda esta existência, porque um dia passaste a ponte e deixaste de existir…

Nunca esquecerei as lições de História Universal pelo telefone… nem a explicação das equações…

Nunca esquecerei “La vie en Rose”…como a cantavas!… nem “Quand tu me parles au telefone”… ou a “Petite fleur”…

Nunca esquecerei a “Valsa da Meia Noite”… ou o “Bolero de Ravel”. Nunca esquecerei as dissertações sobre a mentira ou como é o amor… como me alertavas para a farsa dos homens em relação às mulheres… (contaste detalhes sobre Henrique VIII, que só mais tarde, quando estudei a História de Inglaterra em Inglês é que vim a constatar que não eram historias tuas) e foste a primeira pessoa que me chamou a atenção dos falsos homens. Eras fenomenal! Sem mentira, sempre pronto e apto a dar-me respostas às múltiplas perguntas.

Nunca esquecerei que foste a pessoa que me achou a pessoa mais importante do planeta, que adoçou os meus dias e que um dia me disse que sempre que visse uma chama ardendo, eras tu, para me guardares… e sempre que o vento ululasse pelos montes, seriam as tuas canções para me tirar os medos… como posso esquecer tudo isso?

E hoje, quarenta e sete anos depois, vejo-te àquela esquina, esperando-me à saída do liceu… e vejo que mais ninguém esperou por mim, que me viram as costas quando estou só, que me insultam por esperar por nada… que fingem que me estimam e depois amassam-me como se fora um papel velho e sujo… como se até não existisse… ou melhor, que seria melhor não existir…

Nunca esquecerei das quimeras que fui criando em torno de “os quem” idealizei poderem ser semelhantes. Nunca esquecerei. Nunca esquecerei, nem por um minuto, que por milénios que viva, não há ninguém como tu… Nunca esquecerei que prometi contar-te sempre tudo, para me apoiares… mas como?

Nunca esquecerei que me secaste as lágrimas quando tudo e todos discordavam de mim…

Nunca esquecerei o teu nome: o nome mais lendário da Historia! Da minha história, que perpetuei como prometi…

11.08.05

quarta-feira, agosto 10, 2005

ROSA AMARELA



Rosa em botão
Flor do amor
Tão perfumada,
És tão bela!
És um sorriso
Na minha mão.
És o fervor,
Rosa afamada,
Rosa amarela…
És do Paraíso
Tens doçura,
Dás ternura.
Rosa em botão
A brotar no meu coração…




09.08.05

segunda-feira, agosto 08, 2005

FOI-SE O MEU GATO…




Ao fim da tarde, ao pôr-do-sol, enquanto fazia a minha caminhada, atravessei o parque da cidade e surpreendida vi o Ferrus com outro gato.

O Ferrus fingiu não me ver ou não reconheceu o meu cheiro… perdi o meu gato!

Na segunda volta ao parque, sempre na minha marcha, vi o Ferrus que baloiçava alegremente e nem um olhar… perdi o meu gato!

Há muito que via o Ferrus deleitado com aquele pardo que o acompanhava, mas nunca pensei que trocasse o meu doce carinho por um outro qualquer felino… sem graça, com uns bigodes mal semeados e possivelmente a cheirar a caça barata… e a outros gatos…

Mas o Ferrus era especial. Para mim, foi o gato dos meus sonhos. Mas eu não fui, de certeza, a dona que ele idealizou… Mas o meu gato foi-se… sem um adeus, sem uma última miadela...O Ferrus trocou-me pela rua, pelo gato pardo, pela liberdade que não lhe dei…

07.08.05

sábado, agosto 06, 2005

AMOR


Pintei um quadro a rigor
Para dar ao meu amado.
No meio escrevi Amor
Para o guardar emoldurado.

Amor, amor tão sentido
Amor cheirando a rosas
E por me ser tão querido
Quero-as belas e viçosas…

05.08.05