domingo, novembro 13, 2005

O LEILÃO


Uma sala grande, mesas e paredes a imitar um palco. Luzes a incidirem nos materiais a apresentar. Uma mesa corrida ao meio com três cadeiras onde se sentavam dois juízes de arte, ladeando o leiloeiro, aliás, de renome. Em pé, à esquerda da mesa, o pregoeiro.

O leilão começou!

As peças eram antigas, belas, bem cuidadas e até valiosas para um qualquer coleccionador interessado em aumentar o seu património artístico.

Um foco de luz arroxeada direccionado para a silhueta da estatueta colocada a um canto da mesa, fê-la sentir o centro das atenções, logo que todos os presentes se sentaram pela sala.

Ao fundo, numa das últimas cadeiras, aquele homem, nem jovem, nem velho, fitou a estatueta desde o primeiro minuto. Li-lhe o pensamento: “Vai ser minha e render bem!”…

De cada martelada, estremecia toda, cada vez mais arroxeada e estatueta, que, sem despregar os olhos do seu admirador e até se sentindo atraída por ele, admirava o seu nervosismo e impaciência para o momento do remate.

Foi estabelecendo-se uma conivência entre a estatueta e o presumível comprador. Horas! Horas de expectativa. Horas de angústia, partilhadas num diálogo surdo, mas delicioso.

Chegou o momento!

Num profundo silêncio, apenas se ouviu o pregoeiro anunciar a base de licitação da peça.

Era alto o meu valor!

O interessado aproximou-se. Pegou-me. Passou os dedos macios por todas as curvas, deixou que os dedos corressem pela face, torneou os lábios e exclamou: “Muito interessante! Até se pode chamar de bela!”

Tinha gozado as delícias de me tocar… tinha usufruído todos os prazeres de volúpia que lhe tinham ocorrido enquanto me admirava de longe… Tinha-lhe pertencido por escassos minutos… e voltou a poisar-me na mesa.

Estranho. Estranhíssimo foi o ter-me colocado de uma tal forma que, quando virou as costas para regressar ao seu lugar, despedacei-me no chão, em mil fragmentos…

O leilão foi interrompido. O silêncio sepulcral e a excessiva claridade, encheram a sala repentinamente e um dos elementos do júri, solícito, tentou reunir os pedacitos que se espalhavam pelo chão brilhante da sala.

Foram saindo, um a um, todos os presentes. À noite, aquando da limpeza da sala, ouvi alguém exclamar que estava um coração de porcelana debaixo de uma cadeira quase ao fundo da sala…

11.11.05

1 comentário:

Patricia disse...

Toc toc toc... tem alguém aí?? :)
Não suma querida...
Beijo grande!