terça-feira, março 20, 2007

DIÁLOGO COMIGO



- Como te chamas?
- Não sei… talvez Rosas Murchas…
- Que idade tens?
- Não sei… A idade que já não deixa dúvidas…
- Mas afinal, quantos anos tens?
- Não sei… Anos? Tantos! Tantos que já não existo…
- Só dizes disparates… Enfim, o que fazes?
- Fazer? Fazer o quê?
- Sim! Em que te ocupas?
- Estou sempre ocupada. Trabalho mesmo muito….
- Mas em quê?
- Ensino… Ensino aqueles que sem idade, como eu, já perderam
também a esperança de serem amados e considerados úteis…
- Mas isso é profissão? Pergunto como passas os teus dias…
- Ainda restam dúvidas? Trabalho! E nas horas vagas choro, deixando
as minhas lágrimas no papel, transformadas em letras…
- Mas? Não te entendo… continuas a não dizer coisas acertadas…
- Achas? Mas então o que são coisas acertadas para ti?
- Quero conhecer-te. Quero saber mais de ti. Quero, agora, perceber
porque te expressas dessa maneira…
- Pensas então que estou num estádio de demência?!
- Não foi isso que disse. Apenas te considero um ser muito estranho…
Olhos chorosos, sempre muitos livros, papel, lápis… e quando sorris,
parece-me um sorriso que não é teu… mas também não sei dizer
mais sobre isso…
- Acertas-te! Ao menos uma vez! Realmente o sorriso não é meu… é
da felicidade emprestada… às vezes dão-nos um pouco, que para
nós é um mundo inteiro…
- Será que tudo isso é tristeza? Explica-te!
- Como se pode não ser triste, quando o que não temos, nunca será
nosso? Percebes? Falo de liberdade… nunca somos livres. Apenas a
servidão nos permite viver… somos escravos para sermos vivos. Aos
escravos não é permitido amar!...
- Mas isso foi quase pré-história para nós…
- Não! Essa é a herança que, de geração em geração, nos cabe…
- Dizes coisas tão estranhas… Os que vivem contigo compreendem-te?
- Mas eu vivo só, entre a multidão… Quando nada se tem… nada se
pode dar… e quem não dá não é ninguém… Nem se perde tempo a
compreender..
- Possivelmente terás razão… Começo a admitir que também não me
encontrei ainda… E agora, que pensava que era um feliz mortal, com
um coração a bater, mesmo ali ao lado…
- Não te iludas. Não tarda, que não estejas como eu.


20.03.07

2 comentários:

Diolindinha disse...

Olhe, eu passo a vida a falar de mim para com mim e nunca tenho resposta! Porque é que para uns a vida parece traçada a régua e esquadro (pelo menos parece...)e para outros é uma confusão? Acho que vou deixar de fazer perguntas...

Poeta Đa Lua disse...

bis morgem: você pode falar o quiser comigo,
eu posso falar o que eu quiser com você:
mas eu posso ouvir e não ouvir...
eu posso falar e não falar...
eu posso perguntar e não perguntar...
eu posso responder e não responder...
e, você, ora! o mesmo; parece que fala de mim ou de você, não sei! tudo se embola como se uma instância, momento de demência, não sei dizer. ah, uma única pergunta eu teria, como eu teira, eu não sei! mas não sei se ousaria a te perguntar... então vem falar comigo.
um abraço e um sorriso!