Noite, ausências promotoras de sonhos. Uns sonhos reais, outros numa ambígua amálgama de misturas de realidades e fantasias ou de recordações de distantes passados esfumados num tempo que nos sonhos não existe...
... Vínhamos do Liceu, pela hora do almoço. Livros debaixo do braço. Caminhávamos lado a lado, num passo cadenciado mas lento, para durar mais tempo a companhia...
Agradava-me a companhia do mocetão esbelto e de olhos azuis, de um azul celestial, que pareciam não ter fim.
... Banais conversas sobre as aulas, os colegas, o que iríamos fazer nas férias grandes... o Conjunto onde tocavas e as contrariedades com a tua mãe... enfim... como era agradável descermos a rua em ameno diálogo, sem pensarmos no que nos rodeava...
Queria não ter sonhado. Queria que não tivesse existido um episódio que tivesse de recordar e muito menos de o vir a sonhar.
... Quando chegámos à porta do prédio onde residia, ao despedirmo-nos, deste-me aquele beijo, doentio, que quase me fez desmaiar. Fiquei apertada em teus braços, como que estrangulada pelos tentáculos de um polvo... depois... depois, abruptamente afastaste-me e com um pedido de desculpas e à queima roupa disseste que era o primeiro beijo a uma rapariga... era só para ver como era... porque só te interessavas por rapazes... e eu fazia-te lembrar um...
...Fiquei atónita! O meu primeiro beijo! Nem sequer estava apaixonada... apenas me agradava levar ao lado um colega que fazia todas as raparigas olharem para nós...
Foi terrível ter sonhado com um episódio tão... tão...
E com este sonho, veio-me à ideia a notícia que, no último dia de aulas desse ano distante, as colegas de turma me deram e que viviam perto do Toneca. Foram duras, maldosas e desrespeitadoras...
“O teu namorado suicidou-se...” Gelei. Não por ter sido o meu namorado, porque não fora, mas pelo facto de, um belo rapaz, acabar dessa forma... até o teria amado. Até teria deixado que a sua vida fosse como a Natureza quisera. Era tão bom moço! Mas nestas coisas de amores, não mandamos... e eu estava tão enamorada pela minha saudade... e da saudade fiquei enamorada eternamente...
Com os anos, com os sonhos, com os tempos sem tempos, repenso como poderia ter sido a salvação do meu amigo Toneca. Possivelmente, se eu tivesse dito que o amava loucamente e que os seus gostos íntimos não tinham significado, porque o amor espiritual é muito mais valioso que qualquer outro acto cometido pelo ser humano, talvez não estivesse agora a recordá-lo depois do sonho, que foi um verdadeiro pesadelo....
23.03.05
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