sábado, abril 16, 2005

DESPEDIDA!



Entrei na sala. Uma semi-obscuridade envolvente e aprazível era cúmplice do ambiente que se vivia naquele lugar.

Caminhei lentamente à volta da sala, com cadeiras encostadas a todas as paredes e velas ardendo em altos pedestais de ferro forjado.

Ao meio da sala, sobre um pedestal semelhante a um altar, estava muito ornamentado um caixão. Muitas flores! Coitadas!... terem sido cortadas para embelezar o que nada tinha de beleza…

E ali deitada, muito esticada, muito pálida (que não era assim antes), estava eu!

É verdade. Eu!

Eu, deitada, fria, pálida, dentro de uma caixa rectangular de madeira, onde não tardaria a porem uma tampa de madeira, fechando para sempre o meu corpo… sim porque daqui irei entrar naquele pequeno túnel, de tamanho certo para passar o caixão, rumo ao forno crematório.

Descontraidamente sento-me na barra de madeira do meu caixão e olho-me. Olhar-me-ei assim por pouco tempo… depois as minhas cinzas, uma mistura do pinho do caixão, das minhas vestes e da rosa vermelha que me entrelaçaram entre as mãos poisadas languidamente abaixo do peito…serão depositadas num vaso de lata e levadas para onde pedi que as deixassem…

Observei em volta. Contrastando com a minha serenidade, os outros rostos por ali sentados, ou aos “molhinhos” em pé, conversando, pareceram-me estar tensos ou chorosos. Que ironia! Chorarem agora, quando me estou rindo dessa corja de malfeitores para com os sentimentos humanos!

Voltei a passear a minha observação por todo aquele quadro. Primeiro pareceu-me macabro. Depois triste. Mas numa observação mais detalhada: que cenário ridículo! Tragicómico! … Como todos aqueles, presentes, haviam estudado bem os seus papeis… Como representavam bem!

Não lhes iria dar mais trabalhos! Não os escutaria nem me iriam ouvir alguma outra vez… Nunca mais iriam inventar “desgraças” para que me comovesse com elas… Nunca mais iriam sacrificar os seus preciosos tempos para me “aturar”…

Contudo é interessante ver-me ali, branca e leve, branca e fria como um farrapo de neve, depois de ter sido o pedaço que sobressaiu daquela colherada gelatinosa que fecundou a minha mãe… Agora, apenas um suspiro, observo os que restam a dar continuidade a uma agonia que perdurará enquanto não forem, como sou neste momento, apenas um suspiro… e um punhado de cinzas daqui a pouco, que os deixará pensativos, acabrunhados e mesmo pesarosos por não me terem dado uma gota do que tanto tinham… Sobreviverá os seus remorsos mesmo aquando forem suspiro como sou agora e um punhado de cinzas, como passarei a ser daqui a uma horas…

Sem adeus, sem misericórdia pelos seus não feitos, rir-me-ei, pois vinguei com a minha morte o terem de ficar vivos…



04.04.05

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