sábado, dezembro 10, 2005

MIL PALAVRAS…


A luminosidade desta tarde de sábado ofusca minha solidão. Muito embora esteja uma tarde cálida, estou gélida porque o frio interior não deixa que o calor do Sol me deixe mais confortável. A aragem que sopra mais parece uma canção de embalar, que me torna letárgica, até ausente… eu sou e não sou eu… sou o que o tempo permite que seja…

Ser eu e não ser eu, é algo que me faz sentir dois “eus” em mim e querer ser um e não ser nenhum… o Ser, esse que está sempre comigo, que é o “eu”, eu, esse entre um múltiplo de turbilhões, de ideias, de emoções, umas mais descoordenadas do que outras e que realmente está sempre comigo, é aquele que excluo, mesmo que temporariamente, para ser o eu que realmente não existe em mim… é a versão imposta, aquela que me faz ser a forte, a risonha, a admoestada, a que enfrenta a sociedade onde se insere e se mistura com ela, numa revolta sem dimensão. Porque a frágil, a carente, a vulnerável, essa “eu”, tem de se esconder, tem de se submeter ao seu restrito refúgio das mil palavras, onde as lágrimas são permitidas e a torrente das letras é um rio tumultuoso entre penhascos incomensuráveis…

Se penso e porque penso, escolho. Mas escolho o quê? Que decisão coerente posso tomar, a não ser a de esconder o que transborda por todos os meus poros? Que escolha fazer entre o ir e o ficar? Que posso esperar de qualquer das situações?

Ontem! O meu ontem é longínquo como distante está o cosmos… e no entanto ainda me afecta como se fora uma hora antes… e jantaste com ela… e nunca me disseram nada… e porquê? Então havia consciência de que isso me iria ferir… Passados todos estes sóis, quando já nem posso reclamar, contas-me tudo isso?... “Entrecosto grelhado!...” Creio que nunca mais voltarei a comer disso… ver-vos-ei sempre no prato… Só queria recordar o belo, o inexistente e afinal aquele “eu” só me traz o que me obriga a ser de novo forte e admitir que não sei de nada…

Se me libertasse desse tempo, do tempo passado, de todos os tempos passados, poderia talvez aclarar algumas ideias para o futuro… se chegar a haver futuro… porque se o futuro não for agora, não irá ter lugar mais adiante… não lhe vou dar essa oportunidade… voltar tudo ao mesmo… nunca! São muitos passados num passado sem tempo e isso não suportaria… afinal nunca passei da minha insignificância...

O Sol descai agora do outro lado e as sombras espreguiçam-se pelo monte acima, deixando que sinta o acentuar do frio da meia tarde… Como passou depressa esta tarde… nem deu para contar os pares de lágrimas que vão rolando pela face, num corrupio sem justificação…

Julguei que abrandaria toda esta amálgama de dores se pronunciasse o teu nome baixinho. Admiti que serias o elixir para abrandar o que me dói, mas não me ouviste, nem tão pouco admitiste que te estava a chamar… estou mesmo só…

E a tarde continua a descair. Não vejo aonde o Sol se vai deitar, mas conheço a paisagem de cor, por isso, vejo-o escorregando lentamente na linha do horizonte, depois das dunas do Guincho… aqui apenas vejo a sombra, com passadas de gigante, a beber as verduras do monte e a deixar uma crista luminosa como que uma auréola…

Com o acender dos candeeiros vou guardar o meu “eu” e deixar que o meu “eu” retorne às rotinas do habitual, entre suspiros de revolta e de aceitação, porque mais um dia vai morrer e com ele mais um pouco de mim se esvai…

10.12.05

1 comentário:

Diolindinha disse...

Vizinha, não desperdice tempo nem queime velas em altar vazio... Não chore porque senão fica para aí com a cara numa desgraceira. Cuide de si, olhe lá...