quinta-feira, dezembro 08, 2005

RABISCOS NUMA FOLHA SOLTA


Bela acabou de se matar. É assim que começa o último livro que me ofereceste. É todo o historial de vida, morte e pós esta, de Florbela Espanca. É muito bonito, está muito bem escrito e se escrevesses uma dedicatória, possivelmente, dirias que são talhadas de vida de alguém preterido pelo amor e com uma mente tão perturbada como a dela…eu!

Semelhanças, poucas. Apenas o sentir em palavras, o que a alma deixa transvazar, depois da solidão e do inconformismo de não se sentir amada. Apenas a não coragem de sentir o prazer que pode dar um desvio na linha traçada, em uma qualquer cama, rugindo de satisfação, para abafar os urros que o amor poderia dar, se o tivesse encontrado…

Semelhanças…nenhumas, diria mesmo…só a de vontade de morrer, de me auto liquidar, para não sentir o que sinto, quando sinto que há um desmedido ódio contra o que a Natureza deixou para me aniquilar… pretextos, análises exacerbadas de moralismos inexistentes, sobretudo ao saber-te na boca de uns lábios carnudos e desmedidamente acutilantes, até ao desvario do prazer… são os gomos de uma laranja… que dizes doce, mas que me azedou o espírito e que ao degluti-la me deixou enfastiada, sem que te desses ao trabalho de me observar… e quantas laranjas não vais tragando, sem que me peças para provar… mas do suco que sobrar, com o veneno abençoado, vais um dia recordar, que mesmo com esse gosto, jamais deixei de te amar.

A grande morte, como escreveu o autor do livro sobre a Bela, será também a minha. Vão ser necessários, não três anos, mas uma vida inteira para dissecar os meus escritos, escritos de uma morte lenta, de uma morte que se foi processando ao longo de uma inexistência…

Para a minha amiga, que não soube esperar por mim, para lhe contar o como se iria desenrolar o resto dos meus dias e para ele, o ele que sem ser, sempre foi, não poderei deixar mais nada senão o sopro do último segredo que vou levar comigo – o de amar sem um amor…

Ontem passou mais um ano sobre o suicídio de Florbela, aos trinta e seis anos. Ontem, sete de Dezembro, fez um ano e sete meses que tu tomaste a tua punção aniquiladora… e tu, a vinte e sete completarias mais um aniversário, não fora a doença… poderias viver… Eu! Fui ficando, escrevendo, procurando até que a morte nos separe…

08.12.05

1 comentário:

Leonor C.. disse...

Sinto-me em falta com a Bela mas ainda vou a tempo de lhe prestar a minha homenagem. Creio que muitas mulheres se identificam com ela. Todos os seus poemas são um hino ao amor. Ao amor redentor, ao amor sofrido, ao amor coração...

Nesse caso a morte separa ou pode unir. Depende da crença ou da necessidade de dulcificar a ferida. A vida é um mistério. A morte, outro.

Só que às vezes deixa-me um pouco confusa... Depois digo-lhe porquê.

Beijinhos e um fim de semana cheio de sol no coração!