sábado, maio 28, 2005

ERA UMA VEZ

Era uma vez. Era uma vez, como em todas as histórias que me foram contadas aquando criança. Era uma vez, era a expressão de início de todas as histórias, mas como os tempos não mudaram em muitos aspectos, a minha história, também começa por “era uma vez”.

Assim,

Era uma vez um sentimento. Um sentimento bem parecido. Um sentimento bem-falante. Um sentimento envolvente. Um sentimento atraente.

Quando me bateram à porta e perguntei quem era, numa sem cerimónia indescritível, entrou e percorrendo o meu interior, instalou-se, sem pedir licença.

Pareceu-me um sentimento credível, porquanto respeitou o meu espaço e não fez perguntas desnecessárias. Apenas procedeu como um sentimento, tentando passar despercebido. Ambientou-se às minhas fragilidades e à minha repulsa por um sentimento que desejava não ter incluído em mim… Foi compreensivo. Foi carinhoso. Foi benevolente e teceu elogios ao que ia apreciando, sem contudo cair no exagero…pelo contrário, teve momentos que fazia questão de ser desapercebido da minha receptividade.

Ganhou terreno.

Lentamente foi estendendo os tentáculos dominadores, sem deixar que percebesse que era um sentimento…

E no meu “eu” foi crescendo mais e mais a cada momento, agigantando desmedidamente o seu domínio.

Um dia acordei cedo e completamente dominada pelo senhor sentimento. Absorveu todo o meu pensamento. Deixou todo o meu corpo num entorpecimento embriagador. Eu era uma pétala de rosa poisada docemente sobre as águas calmas de um lago de sonho.

Desde aí o senhor sentimento ocupou os meus pensamentos, minuto a minuto. Controlou os meus impulsos e controlou as minhas vontades também. Usou do seu “charme” para que as pulsões embora inatas, mas hibernantes desde havia muito, vibrassem ao primeiro sinal de alerta.

Gerou-se o primeiro conflito entre mim, o “eu” e o sentimento. Ambos queriam o que eu não sabia se queria. Ambos frenéticos, exageravam num querer quase que irracional enquanto eu, defendendo-me, repetia-me que não.

Mas a história do sentimento não fica por aqui.

Também ele estava hesitante e expectante. Também ele, sentimento, não sabia bem para onde queria ir. Continuava oscilante aonde iria ficar para todo o sempre. Se instalado em outros locais onde estivera antes, se dentro de mim… o sentimento não sabia exactamente o que mais desejava… outras experiências ou a repetição continuada de experiências anteriores…

Instalado que estava o senhor sentimento, partiu para a fase de destruição do que o rodeava, dominando sem se deixar dominar.

Inconscientemente, como sentimento, vagueava por todo o meu ser num à vontade principesco, nem se apercebendo que o facto de não me acreditar ou desentender todo o meu respeito por um tão nobre sentimento, me molestava. Passou a não responder aos meus chamamentos. Passou a ignorar as minhas mensagens e passou a mostrar quão mais importantes eram todos os outros por onde se passeava, ignorando-me, minimizando-me, chegando a votar-me ao ostracismo…abrindo a porta a um outro sentimento, que vagueava por perto, por já ter entrado por outras vezes no meu tão fragilizado “eu”: o ódio! E se esse “amigo” se instala também, então não voltarei a ter paz!

O senhor sentimento começou a jogar forte no fingimento de uma ansiedade programada, para destabilizar. Aguçou o seu narcisismo ignorando-me, enfeitiçando este ou aquele, tocando ou deixando-se tocar, menosprezando a ternura que lhe dispensava… inferiorizando toda a condição do meu eu… passou a manobrar-me como se manobra uma marioneta… mas, há sempre umas…até eu e o meu “eu” quererem… e então não mais entrará, se for expulso….

Ao deixar a história deste sentimento por aqui, não vou esquecer de deixar o seu nome, porque por acaso, pode bater à porta de alguém que esteja desprevenido e fazer a sua destruição, como fez em mim…
Chama-se Amor!



27.05.05

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